30 de ago. de 2010

Difícil

Difícil entender
As coisas que são fáceis
Ou parecem fáceis
Até tentarmos entendê-las

11 de ago. de 2010

Damo




Há, em geral, um grande mal entendido sobre o uso de estatuetas como representação de alguma personalidade ou algum atributo em particular; especialmente aqui no Ocidente cristão. Na percepção cristã, uma estatueta é considerada uma "imagem", objeto de culto e adoração - o que vai contra os desígnios do deus cristão. Entretanto isso é apenas um grande mal entendido. Existe uma diferença notável entre o pensamento oriental e o ocidental, que deve ser levado em consideração (o que é impossível, se consideramos uma visão como "correta" - e consequentemente a outra como "errada").

No budismo Mahayana - particularmente no Zen - falamos em budas e bodhisattvas. O que são eles? Deuses? Demônios? Entidades para serem adoradas? Nada disso cabe no pensamento oriental. Essas designações são produto da análise de uma cultura com o pensamento de outra: algo fadado a interpretações errôneas.

Na foto, um boneco japonês tradicional, o damo. Esses bonecos são como o nosso "joão-bobo": são empurrados, caem e se levantam. Na cultura japonesa, é um símbolo de persistência. Ele representa o primeiro patriarca do Zen no oriente, também tido como um dos patriarcas do Kung Fu: o monge indiano Bodhidharma ("a verdade da iluminação," numa tradução literal) - 28º sucessor desde o buda Shakyamuni (o príncipe Sidarta).

Segundo a lenda, Bodhidharma teria chegado a Shaolin e ficado durante nove anos meditando em uma caverna, de frente a uma parede. Desses nove anos, sete ele teria dormido. Irritado com isso, teria arrancado suas próprias pálpebras e jogado-as no chão, do que teria brotado a erva do chá - para manter os estudantes de meditação acordados durante sua prática (por isso, Bodhidharma é também tido como patriarca do chá). Outra lenda conta que suas pernas e seus braços atrofiaram e caíram depois desse tempo todo em meditação. Disso resulta a forma do boneco japonês da figura: Um ovo, barbudo, com olhos sem pálpebra.

Exista um poema japonês que ilustra o pensamento representado pelo damo:

人生
七転び
八起き

Jinsei.
Nana kotobi
Ya oki.

Assim é a vida:
Caia sete vezes,
Levante oito.


7 de ago. de 2010

Quanto tempo!

As horas correm apressadas.
Se o tempo não tem para onde ir,
Por que diabos os segundos passam tão depressa?!
A cada minuto, um minuto a menos.
Um minuto a menos, um minuto a mais
O referencial é um elemento importante.
Sabe, eu gostaria de ver o tempo.
Comprá-lo, talvez.
Tirar fotos com o tempo,
Conhecê-lo pessoalmente
E quiçá pedir uns autógrafos.
Afinal, falamos tanto dele que ele deve existir.
Talvez more em alguma outra galáxia
Ou talvez no centro da Terra!
Mas com certeza ele é real,
Como a distância e a massa,
Como as moléculas de oxigênio,
E esse vaso de flores na minha frente.
Bem, posso procurá-lo no Google!
Ver se ele tem algum blog por aí,
Ou procurar sobre ele na Wikipedia
Já sei! Acho que vou segui-lo no Twitter!
Talvez ele tenha algo interessante a dizer.
Seguir os conselhos do tempo parece algo sábio.
Não é mesmo? :)

Meio-dia





Te olhar nos olhos
É mirar o Sol a pino
Num claro dia de Verão
E sem medo mergulhar
No íntimo do íntimo
Das profundezas do coração;
Do que outrora era Inverno
Do que já fôra Outono
Mas agora é Primavera:
Primavera branda
Sutil e delicada
Balancete ajustado entre
Perversa e recalcada;
Primavera sorridente
De pétalas macias
De folhas molhadas
E longos dias
Primavera sedosa
Quente e cheirosa
De campinas lindas
De tardes gostosas
Primavera perfeita
Capaz de trazer de volta a vida
Que por longa data
Restava
sumida.




6 de ago. de 2010

Um aporte sobre a Realidade

O que é "realidade"? Será que alguém é capaz de explicá-la?

Estudamos o mundo a nossa volta através da ciência: sabemos que matéria é feita de átomos, que - apesar do nome - são constituídos de partículas ainda menores (elétrons e quarks) e uma miríade de particulas subatômicas; e sabemos que calor, luz, ondas de rádio e TV são apenas percepções diferentes de uma mesma essência (as radiações eletromagnéticas). Estudamos tudo isso com bastante afinco, sob o rígido julgo do impávido Método Científico. É sua aplicação que nos diferencia das assim chamadas "pseudo-ciências" - estudos aparentemente sérios mas que não levam em consideração o rigor devido imposto pela metodologia da pesquisa científica, como a imparcialidade dos julgamentos, a amostragem aleatória e os testes cegos de hipóteses objetivas.

As radiações eletromagnéticas são caracterizadas por duas componentes: uma elétrica e uma magnética (daí o nome), e são identificadas por duas grandezas físicas - o comprimento de onda (a distância entre dois picos consecultivos) e a frequência (número de picos por segundo). A energia de uma radiação é diretamente proporcional à sua frequência e inversamente proporcional ao comprimento de onda. As radiações de maior frequência aparecem à direita na figura, e têm um comprimento de onda de dimensões atômicas. Por isso têm maior penetração na matéria e causam maior dano - são os raios gama. No outro lado do espectro aparecem as ondas de rádio, com comprimentos enormes, do tamanho de um prédio! No meio do caminho, em uma estreita faixa de comprimentos de onda, aparece a radiação visível - correspondente àquela radiação que é detectada pelas nossas células oculares e que percebemos como cores: as vermelhas têm frequência (e, portanto, energia) mais baixa e as violetas, mais alta. Logo acima do violeta, surgem as radiações ultravioleta, com maior energia; e abaixo da vermelha, as radiações infravermelhas.

A ciência já nos permitiu (e permite cada vez mais) avançarmos no entendimento do mundo ao nosso redor. Entretanto, será ela capaz de efetivamente dizer o que é esse mundo? Até alguns anos atrás, a linha que separava matéria e energia era bastante clara. Até que nomes como de Broglie e Einstein mostraram que, na verdade, matéria é também energia e vice-versa. A luz, um exímio exemplo de radiação, também pode ser tratada como feixes particulados, com seus fótons de diferentes quantidades de energia - como mostrou Planck lá atrás em 1800 e bolinhas. De Broglie veio provar que essa dualidade também vale para toda matéria no começo do século XX. E agora? Matéria e Energia não eram coisas diferentes?! Pobre Lorde Kelvin! Se ele soubesse a revolução que a "pequena nuvem no céu de brigadeiro" que representava o problema da radiação do corpo negro iria fazer no corpo das ciências, com certeza arrancaria suas barbas de desespero!

O ponto é simples: nós cientistas tentamos dividir e diferenciar o mundo a nossa volta em porções lógicas para conseguirmos estudá-lo apropriadamente. E não há nada de errado nisso. O problema é quando começamos a aceitar nossas divisões como realidade absoluta e suprema. Quando a Mecânica Quântica começou a ser postulada, muitos físicos agarravam-se à visão mecanicista de Newton com unhas e dentes. Tudo bem, não há nada de errado com a Mecânica Clássica: ela só não vale para algumas condições mais específicas, como os mundos moleculares e os de condições extremas, onde prevalecem os efeitos relativísticos. Fora isso, no "mundo médio", é perfeitamente plausível e justificável utilizá-la. Mas, veja, coisas similares acontecem até hoje! Muitos e muitos cientistas agarram-se tão ferrenhamente a ideais e modelos que perdem a chance de se maravilharem com incríveis descobertas e teorias! Precisamos ter em mente que teorias e modelos estão sujeitos a mudanças, e que o que nós sabemos hoje não corresponde exatamente às coisas como elas são, mas são sim conceitos que nós construímos para explicar o que é inexplicável.

Quem pode explicar a cor azul? Ou a sensação de calor? Ou o sabor do chá? Ou a beleza de uma melodia, de uma poesia? Ou o amor?

A ciência pode explicar porque uma cor é azul e como percebemos a cor azul. Pode explicar como as células oculares são impressionadas pela radiação de comprimento de onda entre 450 e 500 nm, emitida pelo decaimento de elétrons, outrora excitados por uma radiação externa, a orbitais de menor energia da molécula (ou íon) cromóforo presente no tal objeto azul. Pode explicar como as células transformam essa impressão em sinal elétrico e como esse sinal viaja quimicamente através de diversos neurotransmissores até o tálamo e a assim por diante no cérebro, até o processamento da imagem e a construção do modelo em nossas cabeças. Mas, mesmo assim, não pode explicar o que é "azul". Por quê?

Apesar de toda a objetividade da ciência, ela não pode nos dar certas respostas porque o mundo que nós experimentamos é subjetivo. Total e completamente subjetivo. O azul que eu enxergo não é o mesmo que você enxerga. Podemos estar no mesmo lugar, mas o mundo que eu ver não será o mesmo que o que você ver. Nossa percepção de mundo é construída no cérebro, e esse processo inclui tantas variáveis quanto puder imaginar nossa vã idéia de infinito. Uma ilha paradisíaca poderia ser o lugar mais feio do mundo se você estiver de mau humor; analogamente, uma tarde de rush na marginal Tietê pode ser o melhor lugar do mundo pra se estar, dependendo das suas condições emocionais. O mundo, esse que nós experimentamos todos os dias, não é mais do que um produto de nossas cabeças. A cor dos seus olhos, o sabor do seu chá preferido, o pôr do sol; nada disso é igual pra duas outras pessoas no mundo.

Nesse contexto, falar em "realidade" parece algo duvidoso. Será que existe alguma realidade independente do nosso subjetivismo? E, mais importante: se existir, será que estaria a nosso acesso? O Método Científico busca justamente eliminar essa parcialidade da visão subjetiva dos estudos, mas não é em todas as áreas que isso sempre é possível. Até hoje não conseguimos, por exemplo, compreender o que é a mente e a consciência, e como isso está relacionado ao construto físico do cérebro. Estudar a consciência de forma objetiva é algo talvez impossível, por isso é tão difícil obter informações cientificamente adequadas sobre esse assunto. O que são os sonhos? Como eles se formam? E as emoções, os desejos, os pensamentos?! Difícil, não é? Por enquanto, essas respostas pertencem ao reino da metafísica (i.e. "além" da física, no sentido de não serem acessíveis por métodos físicos), parte do domínio da grande ciência do conhecimento, a Filosofia.

O filósofo indiano Nagarjuna (que viveu em algum momento entre os séculos II e III) propunha que toda a realidade era, na verdade, vazia. É a teoria do Sunyata, ainda hoje presente em várias escolas do pensamento oriental. Quando Nagarjuna diz que os fenômenos são vazios, ele não está sendo nihilista: a vacuidade de Nagarjuna é na verdade um vazio que contém tudo. (Oi? Não, eu não bebi hoje.) O vazio representa algo que é impermanente e não-conceituável. Nessas linhas, pode-se aproximá-lo à noção taoísta de Tao. A realidade seria, portanto, algo não-conceituável e impermanente, passível de quaisquer diferentes formas de compreensão e percepção. Fazendo uma analogia com a física, é como se a realidade fosse um gás: não conseguimos conceber sua forma até que esteja encerrado em um recipiente definido, como um botijão ou uma caixa. O gás pode ser moldado em quaisquer formas e volumes que desejarmos, dependendo unicamente de nossa ação. Assim é a realidade proposta na vacuidade: ela pode ser moldada em quaisquer interpretação que quisermos, dependendo unicamente de nossa percepção - porque não tem uma "forma" fixa, imutável e permanente. Perceba que não é uma idéia nihilista. Não é um vazio absoluto que nada contém, e sim um vazio que contém absolutamente tudo. Outro dia postei aqui uma interpretação do Sutra do Coração (Hannya Shingyo), que discorre exatamente sobre essa vacuidade de Nagarjuna, e dá uma luz nas implicações que esse pensamento pode trazer à vida cotidiana.

Representação artística do sunyata ("vazio"), conceito filosófico proposto por escolas de pensamento indianas e bastante difundido por Nagarjuna. É um dos conceitos centrais da filosofia budista, tema central dos ensinamentos do buda no que concerne à interpretação dos fenômenos. Essa simbologia é particularmente presente na tradição das escolas do budismo Zen, cuja prática central (o zazen) é baseada na experimentação direta desse conceito através da análise subjetiva não-interagente dos fenômenos (shikantaza zazen), ou de análises subjetivas motivadas (meditações).

Bem, essa é apenas uma das diversas filosofias que tentam explicar o que é a realidade. Existem várias teorias por aí, e aceitá-las ou não é uma questão completamente subjetiva - assim como as teorias em si. Compreendê-las é um verdadeiro exercício mental, e apenas usando o cérebro (ou seja, fazendo experimentos subjetivos) é que se é capaz de julgar a plausibilidade dessas teorias.

Até então a Filosofia é a única ferramenta que pode nos sugerir respostas sobre se há e o que é "A Realidade". Analise as opções e escolha o que te faz mais sentido. Quem sabe um dia nossa ciência física não chega a respostas mais concretas, não é?

Até lá, vamos vivendo e aproveitando nossos mundinhos subjetivos. :)

3 de ago. de 2010

Giramundo





O mundo gira sem parar
Amores vêm, amores vão;
Sonhos aparecem e desaparecem.
Flores se abrem e se fecham,
Pessoas nascem e morrem
Lágrimas rolam e sorrisos eclodem.
Mas o mundo não para.
Nem um segundo.
Nem no seu dia mais feliz
Nem no mais triste
Por mais que se deseje.
Ele é irredutível
Impassível, incontível
Imbatível e resoluto.
Incontrolável.
Imparável.
Gira, mundo, gira.




1 de ago. de 2010

A Essência da Sabedoria Perfeita (Hannya Shingyo, 般若心經) Revisited

Releitura dos versos da Grande Sabedoria Perfeita, texto tradicional da escola Zen (assim como das demais escolas Mahayana). Não se sabe ao certo sua origem, mas o registro mais antigo remonta à China do segundo século d.C.

O texto é construído na forma de uma preleção, uma instrução de um professor a um aluno dedicado; simbolizados por dois arquétipos comuns nos cânones budistas: o boddhisattva Avalokitesvara (Kannon) - símbolo de compaixão infinita - e Shariputra (Sharishi), um discípulo de bons méritos.

Para interpretações e leituras mais tradicionais, Google it ("Sutra do Coração").

Esse texto (ou sutra) retrata a essência de tudo que é ensinado e praticado em todas as escolas budistas. Entendê-lo é como juntar pequenas pecinhas de um quebra-cabeças além do intelecto, que requer tempo e, acima de tudo, prática. Entendê-lo intelectualmente é como buscar entender o sabor de um chá por conhecer a química das ervas. Deve-se bebê-lo, sorver cada gole, sentir cada célula ser permeada, impressionada e tocada pela experiência direta de cada microlitro.

:)

~

Versos da Essência da Grande Sabedoria Perfeita
(maha prajna paramitta hridaya sutra)
Releitura da versão japonesa (摩訶般若波囉弭多心經) da tradição Zen

Aquele que ouve todos os sons do mundo toca profundamente a sabedoria perfeita,
E assim vê claramente que os cinco agregados são vazios e liberta-se de todo sofrimento.

"Ouça, filho de bons méritos: forma não distingue-se de vazio, e o vazio não distingue-se da forma;
A matéria é também vazia; e o vazio é também matéria.
O mesmo é válido para as sensações, percepções, impulsos e a consciência.

Filho de bons méritos, a natureza última de todos os fenômenos é vazia:
Não aparece e nem desaparece, não é impura e nem pura, não aumenta nem diminui

Assim, no vazio, não há matéria, nem sentimentos, percepções, impulsos ou consciência;
Não há olhos, ouvidos, língua, corpo nem mente;
Não há cor, som, odor, sabor ou toque; e nem pensamentos.
Não existem os sentidos dos olhos, ouvidos, língua, corpo, nem da mente consciente.

Não há ignorância e nem extinção desta
E assim por diante até envelhecimento e morte e nem extinção destes.
Não há sofrimento, nem origem deste;
Não há extinção deste, nem caminho para tal;
Não há sabedoria e nem ganhos, pois não há nada a ganhar.

Assim o sábio vive a perfeita sabedoria
E não há obstáculos em sua mente. Sem nenhum obstáculo, não há medo.
Eliminada a visão obscurecida, chega-se à outra margem.

Todos os grandes sábios do passado, presente e futuro praticam a sabedoria perfeita, e atingem o entendimento mais completo de todos.

Portanto, saiba que a sabedoria perfeita
É a grande expressão transcendente
A grande expressão iluminada
A mais perfeita expressão
A expressão suprema
Capaz de libertar de todo sofrimento
E é verdadeira, não falsa.
Então proclame a expressão da Sabedoria Perfeita
Viva essa expressão.
Vá, siga em frente! Continue em frente! Siga ainda mais adiante: 
Isso é iluminação."

~