Terminei esses dias de ler uma coletânea de fragmentos de poemas de Sappho, poetisa grega do século VI a.C. Gostei tanto que resolvi registrar alguns trechos aqui (obrigado ao Project Gutenberg por disponibilizar o livro de graça, e pela excelente tradução do poeta Bliss Carman!). Enjoy!
Que hajam guirlandas, Dica,
Em teus adorados cabelos;
E delicados raminhos em flor,
Tecidos por tuas mãos macias.
Pois aquele que é coroado por flores
Goza do favor dos deuses,
Que não têm bons olhos
Para os não-adornados.
--
Cresce uma nespereira
Na frente da casa do meu amor.
Lá, ao longo do dia,
O vento faz um som agradável.
E quando chega o entardecer,
Sentamo-nos juntos ao crepúsculo,
E observamos as estrelas
Aparecendo no azul silencioso.
--
Houve um tempo em que repousavas em meu colo,
Enquanto o longínguo luar prateado
Percorria pelas planícies, com aquela paixão pura
Toda tua.
Agora, a Lua se foi. As Plêiades
Já passaram, e a escuridão da noite se vai;
Escorrem as horas, e em meu leito
Encontro-me só.
--
Ah, o que sou eu senão uma tormenta:
Obstinada, impetuosa, quebrada,
Como o clamor das águas esbravejado
No desfiladeiro azul?
Ah, e o que és tu senão uma fronde de samambaia,
Molhada pelo respingar do rio:
Timida, adorável, frágil,
Escondida na reentrância do rochedo?
Contudo, não somos por um breve dia,
Enquanto o Sol dorme na montanha,
Selvagens, amante e amado,
Seguros nos braços de Pan?
--
Amor, deixa o vento gritar
Na montanha negra,
Dobrando os freixos
E as cicutas altas;
Com a voz estrondante
De legiões trovejantes,
O quanto te adoro.
Deixa que a rouca torrente
Do desfiladeiro azul,
Murmurando ferozmente
Da cinza névoa
Do caos primordial,
Jamais cesse de proclamar
O quanto te adoro.
Deixa que o longo ritmo
Das vagas espumantes,
Quebrando e rugindo
No branco litoral,
Titânicas e incansáveis,
Conte, enquanto o mundo sobreviver,
O quanto te adoro.
Amor, deixa que o chamado claro
Do grilo silvestre,
A mais frágil das criaturas,
Verde como a grama jovem,
Marque com seu trilo
Ressonante tom agudo,
O quanto te adoro
Deixa que o alegre canto da cotovia
Pela campina,
Aquela doce lírica
De prata derretida,
Seja como um sinal
Para os mortais que a ouvirem
Do quanto te adoro.
Mas, mais do que todos os sons;
Mais certo, mais sereno,
Mais cheio de paixão
E exultação;
Deixa que o sussurro apressado
Em teu próprio coração confesse
O quando eu te adoro.
--
"Quem foi Atthis?" - homens perguntarão,
Quando o mundo for velho, e o tempo
Tiver cumprido sem pressa
O estranho destino dos Homens.
Porventura, naquela era longinqua,
Alguém há de encontrar essas canções prateadas
Com sua carga humana, e descobrir
Que bela amante Sappho foi!
--
Será que os homens se lembrarão de nós
Nos dias que estão por vir;
De tua adorável beleza
E do meu amor por ti?
Tu, o jacinto que cresce
Por um rio de águas calmas;
Eu, o reflexo aqueluzente
E o clarão disforme.
--
Ninguém falará de Sappho;
De seus amores,
E do amor que ela lhes deu:
Alegrias, dias e beleza;
Sonatas de flauta e rosas,
Canções e vinho e gargalhadas.
Será que ninguém, ao contemplar, dirá:
"E contudo, mesmo com todas as rosas,
E todas as flautas e amores;
Não tenha dúvidas que ela sentia-se só.
Só como o mar, cuja cadência
Assombra o mundo desde sempre."
--
Como um lírio vermelho nos gramados da campina,
Embalado pelo vento e queimando à luz do Sol,
Eu vi a ti, onde a cidade se engasga com o tráfego,
Sustentando entre os transeúntes tua beleza,
Imaculada, selvagem e delicada como uma flor.
--
Veja, onde os brancos
Garanhões de Poseidon
Calcam com truculência
A costa flutuante!
Mais velha que Saturno,
Mais velha que Réia;
Aquela canção lúgubre
De cheias e vazantes,
Num amplo ritmo
Incessante, eterno
Continua marcando o tempo
De tudo que é mortal.
Quantos amantes
Não foram por ela ninados,
Embalados ao descanso
Com as flores maduras.
Antes por nosso prazer,
Esse dourado Verão
Caminhava pelos milharais
Em gracioso esplendor!
Quantos amantes
Não serão chamados por ela,
Nos longos dias de Primavera
Com o passar das eras,
Quando todos os nossos devaneios
Forem esquecidos,
E não houver mais lembranças
Sequer da tua beleza!
Eles também adormecerão
Em lugares quietos,
E hão de ser surpreendidos
Pelos poderosos sons do mar.
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English source:
X
Let there be garlands, Dica,
Around thy lovely hair.
And supple sprays of blossom
Twined by thy soft hands.
Whoso is crowned with flowers
Has favour with the gods,
Who have no kindly eyes
For the ungarlanded.
XIX
There is a medlar-tree
Growing in front of my lover's house,
And there all day
The wind makes a pleasant sound.
And when the evening comes,
We sit there together in the dusk,
And watch the stars
Appear in the quiet blue.
XXII
Once you lay upon my bosom,
While the long blue-silver moonlight
Walked the plain, with that pure passion
All your own.
Now the moon is gone, the Pleiads
Gone, the dead of the night is going;
Slips the hour, and on my bed
I lie alone.
XXIX
Ah, what am I but a torrent,
Headstrong, impetuous, broken,
Like the spent clamour of waters
In the blue canyon?
Ah, what art thou but a fern-frond,
Wet with blown spray from the river,
Diffident, lovely, sequestered,
Frail on the rock-ledge?
Yet, are we not for one brief day,
While the sun sleeps on the mountain,
Wild-hearted lover and loved one,
Safe in Pan's keeping?
XXXI
Love, let the wind cry
On the dark mountain,
Bending the ash-trees
And the tall hemlocks,
With the great voice of
Thunderous legions,
How I adore thee.
Let the hoarse torrent
In the blue canyon,
Murmuring mightily
Out of the grey mist
Of primal chaos,
Cease not proclaiming
How I adore thee.
Let the long rhythm
Of crunching rollers,
Breaking and bellowing
On the white seaboard,
Titan and tireless,
Tell, while the world stands,
How I adore thee.
Love, let the clear call
Of the tree-cricket,
Frailest of creatures,
Green as the young grass,
Mark with his trilling
Resonant bell-note,
How I adore thee.
Let the glad lark-song
Over the meadow,
That melting lyric
Of a molten silver,
Be for a signal
To listening mortals,
How I adore thee.
But more than all sounds,
Surer, serener,
Fuller with passion
And exultation,
Let the hushed whisper
In thine own heart say,
How I adore thee.
XXXII
Heart of mine, if all the altars
Of the ages stood before me,
Not one pure enough nor sacred
Could I find to lay this white, white
Rose of love upon.
I who am not great enough to
Love thee with this mortal body
So impassionate with ardour,
But oh, not too small to worship
While the sun shall shine,
I would build a fragrant temple
To thee, in the dark green forest,
Of red cedar and fine sandal,
And there love thee with sweet service
All my whole life long.
I would freshen it with flowers,
And the piney hill-wind through it
Should be sweetened with soft fervours
Of small prayers in gentle language
Thou wouldst smile to hear.
And a tinkling Eastern wind-bell,
With its fluttering inscription,
From the rafters with bronze music
Should retard the quiet fleeting
Of uncounted hours.
And my hero, while so human,
Should be even as the gods are,
In that shrine of utter gladness,
With the tranquil stars above it
And the sea below.
XXXIV
"Who was Atthis?" men shall ask,
When the world is old, and time
Has accomplished without haste
The strange destiny of men.
Haply in that far-off age
One shall find these silver songs,
With their human freight, and guess
What a lover Sappho was.
XXXVIII
Will not men remember us
In the days to come hereafter,-
Thy warm-coloured loving beauty
And my love for thee?
Thou, the hyacinth that grows
By a quiet-running river;
I, the watery reflection
And the broken gleam.
LIX
Will none say of Sappho,
Speaking of her lovers,
And the love they gave her,-
Joy and days and beauty,
Flute-playing and roses,
Song and wine and laughter,-
Will none, musing, murmur,
"Yet, for all the roses,
All the flutes and lovers,
Doubt not she was lonely
As the sea, whose cadence
Haunts the world for ever."
LXX
My lover smiled, "O friend, ask not
The journey's end, nor whence we are.
That whistling boy who minds his goats
So idly in the grey ravine,
"The brown-backed rower drenched with spray,
The lemon-seller in the street,
And the young girl who keeps her first
Wild love-tryst at the rising moon,-
"Lo, these are wiser than the wise.
And not for all our questioning
Shall we discover more than joy,
Nor find a better thing than love!
Let pass the banners and the spears,
The hate, the battle, and the greed;
For greater than all gifts is peace,
And strength is in the tranquil mind."
XCII (fragment)
Like a red lily in the meadow grasses,
Swayed by the wind and burning in the sunlight,
I saw you, where the city chokes with traffic,
Bearing among the passers-by your beauty,
Unsullied, wild, and delicate as a flower.
XCV
Hark, where Poseidon's
White racing horses
Trample with tumult
The shelving seaboard!
Older than Saturn,
Older than Rhea,
That mournful music,
Falling and surging
With the vast rhythm
Ceaseless, eternal,
Keeps the long tally
Of all things mortal.
How many lovers
Hath not its lulling
Cradled to slumber
With the ripe flowers,
Ere for our pleasure
This golden summer
Walked through the corn-lands
In gracious splendour!
How many loved ones
Will it not croon to,
In the long spring-days
Through coming ages,
When all our day-dreams
Have been forgotten,
And none remembers
Even thy beauty!
They too shall slumber
In quiet places,
And mighty sea-sounds
Call them unheeded.
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