Passei alguns minutos lendo o dicionário hoje. Não, claro que não o abri deliberadamente e comecei a lê-lo - creio que ninguém mais faça isso hoje em dia -: fui à caça da etimologia da palavra inglesa 'kindly.' Naquele momento, estava discutindo com um amigo sobre a possibilidade de kind (adj. bom, bondoso, sincero) ter a mesma raiz de kindle (v. embrasar, arder): para mim faria algum sentido que kind e kindle compartilhassem de uma mesma raiz, se enxergarmos bondade como um sentimento de um coração 'quente' (ok, pode parecer meio forçado mas, ainda assim, faria pelo menos um pouco de sentido).
Então, lá fui eu checar a etimologia de kind. Quem conhece um pouco de inglês sabe que kind apresenta dois significados: como substantivo, significa tipo, espécie (e.g. Sci-fi is one of my favourite kind of movies.); como adjetivo, tem os sentidos de (i) generoso, dedicado, que pensa nos sentimentos dos outros (e.g. She's a very kind person.); e (ii) que não causa dano ou perigo, benigno (e.g. Our product is kind to the environment.). Como pode a mesma palavra ter dois sentidos totalmente distintos como substantivo e adjetivo? Será que têm raízes diferentes?
Ocorre que ambos sentidos originaram-se do mesmo vocábulo do Inglês arcaico, gecynd (significando tipo, natureza, raça como substantivo; e natural, inato, nativo como adjetivo): o prefixo ge- caiu por entre 1150 e 1250, e a grafia mudou de cynd para kind. Eventualmente, por volta do século XIV, o sentido do adjetivo evoluiu de inato para compassivo, benigno. [1]
O que me interessou foi notar uma sutil implicação filosófica disso: talvez compaixão e bondade fossem, então, consideradas qualidades inatas do ser humano. Aparentemente, apesar de a Inglaterra já ser cristianizada àquela época, os povos de lá ainda não haviam incorporado o conceito de natureza pecaminosa do ser humano propagado pela Igreja: St. Agostinho, por exemplo, definia já no século IV que - por causa do pecado original de Adão - toda a Humanidade apresenta-se num estado de depravação por natureza, sendo cada um incapaz de fazer o bem senão pela graça de Deus [2]. A visão de Agostinho, apesar de consolidada ao longo dos séculos pelos concílios da Igreja, não seguiu sem oposição; a mais notável de Tomás de Aquino, no século XIII. (Lutero e Calvino, principais nomes da Reforma, eram adeptos da visão de Agostinho - como, aliás, as igrejas evangélicas modernas fazem questão de deixar bem claro.)
Enfim, sempre simpatizei com os Bretões e seu bom senso; agora mais ainda. :)
P.S.: No fim das contas, kind e kindle têm raízes diferentes: kindle vem do inglês arcaico cundel (colocar fogo, inflamar) de onde, aliás, também vem a palavra para vela, candle.
--
[1] Vide http://www.etymonline.com/index.php?allowed_in_frame=0&search=kind
[2] Vide http://en.wikipedia.org/wiki/Original_sin#Augustine
Enfim, sempre simpatizei com os Bretões e seu bom senso; agora mais ainda. :)
P.S.: No fim das contas, kind e kindle têm raízes diferentes: kindle vem do inglês arcaico cundel (colocar fogo, inflamar) de onde, aliás, também vem a palavra para vela, candle.
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[1] Vide http://www.etymonline.com/index.php?allowed_in_frame=0&search=kind
[2] Vide http://en.wikipedia.org/wiki/Original_sin#Augustine
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