12 de fev. de 2013

Satori

Manhã ensolarada num velho mosteiro português. Pedro debruça-se no parapeito da janela de sua pequena cela, enquanto alguns fracos raios de Sol pintam no chão escuro um padrão quadriculado. Há quantos meses estaria ali já? Ele, que passara anos estudando Latim, Grego, Hebraico e Aramaico; relendo textos antiquíssimos e memorizando rituais milenares; ele, que sentia claramente o chamado divino para exercer o sagrado ministério de Cristo, sentia-se só.

Pedro sentia-se só. 

Pedro sentia-se só; e não se tratava daquele tipo de solidão que bate quando se está sozinho: era uma solidão maior, mais profunda - daquelas que poucos conheceram. Pedro sabia que o mundo fervilhava a seu redor: ouvia falar de governos e guerras, dos avanços na Medicina, dos milagres da Ciência; conhecia advogados, bancários, artistas e tinha consciência do vasto leque de possíveis caminhos que cada Homem na Terra encontrava frente a si. E, mais ainda, Pedro sabia que, enquanto esse insano mundo girava, ele estava ali - debruçado em sabedorias centenárias e ritos arcaicos; vivendo uma realidade tão diferente daquela que o resto do mundo conhecia que enchia-se de dúvidas e medos (seria ele seria capaz de compreender aos fiéis e guiá-los, mesmo vivendo em um paradigma tão distinto?). Quanta coisa estaria perdendo? Quantos sorrisos? Quantos abraços, quantos amores? Quanta vida?

(Há noites, ajoelhado em seu oratório, Pedro questionava o propósito de seu chamado. Por que ele estaria ali, vivendo voluntariamente isolado de todos, quando poderia ter escolhido uma vida comum,  algum ofício habitual, amigos e - por que não? - alguma garota bonita em sua pequena cidadezinha do interior? Já revirara os evangelhos sinópticos; já estudara as epístolas paulinas, lera Agostinho, Orígenes, Aquino - até Lutero e Calvino! - e não encontrou as respostas que buscava. Decidira então, talvez como último recurso, rezar.) 

Lá fora, no velho carvalho em frente à janela de Pedro, um sabiá começa a cantar. O jovem seminarista observa encantado, por entre as grossas grades de ferro, o pequeno animalzinho. Lágrimas tímidas rolam de seus olhos e marcam sua batina surrada. Pedro, de repente, esquecera o que é que tanto procurava; esquecera todas as perguntas e todas as respostas que esperava encontrar. Levantou-se lentamente com um sorriso (coisa que, suspeitava, seu corpo havia desaprendido), cruzou a cela e ajoelhou em seu oratório. Nunca havia sentido solidão tão plena.

(Sé do Porto. Porto, 21 de dezembro de 2012)

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