18 de nov. de 2011

Voando


Final de tarde. O vento sopra com delicadeza, arrepiando as folhas das árvores que avermelham-se lentamente rumo à morte. Li senta-se após uma tarde de treinamentos e observa, do alto de seu templo, a aquarela de cores pintadas no horizonte: o azul do céu tingido pelo alaranjado das nuvens, e o degradê incrível nas montanhas, cuja densa vegetação pincela a paisagem com algum e qualquer tom entre verde e vermelho.


O outono é uma estação maravilhosa (como todas as outras estações) na Ásia e, em particular, ali naquelas montanhas perdidas no meio do continente. É o momento em que as mudanças na Natureza, que ocorrem a todo instante, são mais perceptíveis ao cego olhar humano. A força e a robustez que as árvores esbanjam no verão tornam-se apenas uma sombra distante da seca e frágil imagem que exibem no inverno; e essa intensa mudança ocorre num breve espaço de um ou dois meses. "Tudo passa tão rápido," ele pensa. "E, contudo, é nesse curto espaço que a vida acontece. As folhas nascem, crescem, oferecem sua sombra no verão, e morrem; tudo isso em poucos meses. Perto delas, somos praticamente imortais."

Uma brisa mais intensa sopra, e uma folha cai aos seus pés. O jovem guerreiro observa o cair da folha com um certo ar de reverência. Delicadamente, a toma em suas mãos e perde-se em seus pensamentos. Olha para o leste, com os olhos além das montanhas e muito além do oceano. "O frio está chegando. Espero que você esteja cuidando-se direito."  Larga a folha seca, que rodopia lentamente no ar, antes de ser arrastada para longe por uma outra soprada do destino.

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A quilômetros dali - numa terra muito, muito distante - uma jovem mulher corre apressada para acertar os últimos detalhes de seu último trabalho. "Não é possível! O que aconteceu com aquele arquivo?! Eu passei a semana inteira editando aquela porcaria, e agora sumiu assim?!?" bradava, em alguma coisa similar a desespero e indignação. "E de onde veio esse frio de inverno?" resmungou, enquanto se abraçava na vã tentativa de manter-se aquecida. "Ah, achei!! Bom, posso ir embora agora!".


Um vento forte corria pelos corredores abertos da Universidade, fazendo do caminho da sala até a parada do ônibus um desafio à parte naquela tarde. Kinomoto sentou-se encolhida no banco da plataforma enquanto esperava o demorado transporte chegar. Após uma trégua de poucos minutos, um pé-de-vento soprou com força, fazendo seus cabelos esvoaçarem e tamparem-lhe a vista, fazendo um arrepio - daqueles que vêm do âmago da alma - subir correndo por sua espinha. "Droga! Eu devia ter trazido uma blusa, um cachecol, ou algo assim. Ai ai, eu nunca aprendo mesmo." Arrumando os cabelos, a garota notou algo enroscado ali. Após um segundo de pânico indescritível (seguido de um grito abafado), percebeu que tratava-se apenas de uma folha e riu sozinha de sua atitude precipitada.


"Nossa, que folha diferente!" - pensou, após o árduo trabalho de desenroscá-la. Olhou em redor e procurou a árvore de onde ela poderia ter vindo, mas não a encontrou. Por alguma razão, que ela não sabia apontar naquele momento, aquela folha lhe fez lembrar um velho amor do passado. Sentiu um calorzinho aquecendo o peito. Naquele momento, não sentia mais frio. Sorriu e lançou a folha novamente aos ventos do destino.

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