11 de nov. de 2013

Dançando

(Folhagem de Outono. Korea University, Seoul, Novembro 2012.)

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E chegou mais um Outono aqui no hemisfério norte. As árvores vão aos poucos perdendo suas folhas e "morrendo", para renascer novamente na próxima primavera. Há mais anos do que possa imaginar nossa limitada percepção, a Vida começou (ou recomeçou?) seu baile sem fim. Como as árvores, que começam a primavera numa profusão de cores e energia, assim - diz-se - começou o grande Universo: em uma explosão intensa, que deu origem a absolutamente tudo que conhecemos. No princípio, havia apenas energia que, em tempos infinitesimais, foi morfando-se em massa: quarks, léptons, bósons, múons, glúons e outras partículas sub-atômicas. Essas, por sua vez, uniram-se formando prótons e nêutrons que, ao juntarem-se com os elétrons, formaram os cento e tantos tipos diferentes de átomos que compõem desde o núcleo das estrelas até a meleca grudada no seu nariz e os componentes da tela do seu dispositivo favorito.

Os mais entusiastas dizem que somos "poeira das estrelas" - o que, aliás, virou um dos bordões favoritos dos cientistas e humanistas ao redor do mundo - mas, na verdade, somos muito, mas muito mais que isso. Há milhares de anos, as grandes tradições espirituais que surgiam na Índia versavam sobre renascimentos e a universalidade do mundo: diziam que somos todos parte de uma coisa só, e que renascíamos continuamente, morte após a morte; visão que sobrevive nas tradições derivadas das antigas filosofias hindus (Hinduísmo, Jainismo e Budismo). Já no Ocidente, contudo, prevaleceu a visão egípcia de que "algo" sobrevive à morte, e passa para um outro plano de existência, onde irá experimentar ou as glórias de um Paraíso, ou os martírios de um Inferno. Para sempre. Embora a ideia de renascimento existisse no Judaísmo, ela se perdeu no Cristianismo e no Islã (ainda que hajam grupos minoritários que vivam essa filosofia), talvez pela influência da religião greco-romana, que evoluiu visão similar à dos egípcios. De qualquer forma, independentemente da corrente ideológica, o que quer que se passe após a morte são meras suposições. Certo?

Observar a Natureza é a missão da Ciência: se sabemos prever um eclipse, é porque soubemos analisar - pacientemente - o movimento dos astros, compreender a relação entre eles e identificar padrões. Da mesma forma, a observação do comportamento dos materiais e das interações destes levou ao desenvolvimento da Física e da Química que, ultimamente, tornou possível a eletricidade e nossa era digital. Não fosse pelas cautelosas investigações de homens e mulheres dedicados à compreender o Universo, nada disso existiria hoje em dia. A ciência nos ensina que, se queremos descobrir algo, devemos observar contínua e imparcialmente a Natureza. Assim conseguimos explicar como que, de estrelas, viramos homens. Sabemos, portanto, explicar o passado. Sabemos como surge o corpo humano, sabemos como ele adquire consciência, por que não poderíamos explicar o que acontece depois?

Morremos a cada instante. Nossas células param de funcionar e morrem (ou seja, não conseguem mais manter-se e interagir com as vizinhanças). Isso acontece na pele, nos músculos, nos órgãos e, claro, no cérebro. Mas o que acontece com essas células? Elas não desaparecem, afinal a natureza nos ensinou a lei básica de que nada no universo aparece ou desaparece. De fato, as células mortas são eliminadas do nosso corpo, ou por vias de excreção ou, no caso da pele e dos cabelos, por forças mecânicas. Essas células serão então alimento de outros seres vivos, que farão uso da energia acumulada nas estruturas químicas ainda existentes ali para crescerem, se multiplicarem e darem sequência à cadeia da vida. Da mesma forma, nós humanos consumimos a matéria orgânica de outros seres para renovar nosso estoque de células, fazendo então com que estes seres transformem-se em parte constituinte do nosso corpo. O mesmo acontece com a água que bebemos, e com a energia que utilizamos para pensar, sentir, nos movimentar e articular nossos pensamentos. Seja a matéria que compõe nosso organismo ou a energia que faz o organismo funcionar, elas se originam da vida que existe espalhada no planeta. Portanto, não somos apenas poeira das estrelas, como somos as estrelas, e os oceanos, e os rios, e as florestas, e os animais, e todos os bilhões de seres humanos desse planeta. Podemos nos reconhecer como um ente separado dos demais, mas isso se dá no nosso nível de visão. Se analisarmos num microscópio potente o suficiente, não seremos capaz de identificar a separação entre meus dedos e as teclas do teclado, por exemplo; assim como se olharmos a partir de uma sonda espacial, não enxergaremos a separação entre os países, e veremos apenas "um pálido ponto azul" no meio da escuridão, como expressou Carl Sagan ao ver uma fotografia da Terra tirada pela sonda espacial Voyager 1 em 1990 após sair do sistema solar, a 6 bilhões de quilômetros de distância daqui. Nessa distância, não há distinção entre nada: somos todos um pequeno e opaco ponto perdido no meio da imensidão. Que sentido faz discutir filosofia ou política?

(Pale Blue Dot, 1990. Copyrights da NASA.)

Analisando por essa perspectiva, nós nunca nascemos e nunca morreremos. Como Krishna diz a Arjuna, no Bhagavad Gita [1]: "Nunca houve momento em que eu não existi, ou você, ou todos esses reis; assim como, no futuro, nenhum de nós cessará de existir." Olhando esse aspecto, o renascimento é algo real, tangível e plenamente lógico.

Porém há quem diga que não somos apenas corpo: "je pense, donc je suis" enunciou Descartes. Nossa qualidade intelectual nos induz a acreditar que nossa existência não está limitada ao aspecto físico, e que nossa persona é constituída por mais do que um apanhado de células e pulsos elétricos. Nosso eu é, então, uma entidade particular, distinta e única, cujo conjunto de memórias, experiências e concepções constrói as regras de interação com as outras entidades particulares ao nosso redor. Essa experiência pessoal de existência leva muitos a concluírem a existência de um ente pessoal, coexistindo com e "conscientizando" o corpo, uma alma. E, como todos os conceitos filosóficos, existem várias visões diferentes sobre o que seria a alma e como se daria essa interação alma-corpo. Na visão de Platão e Sócrates, a alma seria a essência do ser, aquilo que decide como ele deve agir; e seria incorpórea e renasceria em outros corpos após a morte do corpo recipiente. É mais ou menos a linha que segue Aristóteles - que não crê em renascimentos, mas sim na imortalidade da alma - e, na sequência de Aristóteles, Agostinho e os grandes pensadores cristãos. Quando se fala em alma, a propriedade que prevalece é que ela sobrevive à morte e passa a uma outra existência - seja aqui, no plano físico; ou num outro plano "espiritual". A mim, pessoalmente, não apetecem nenhuma das duas ideias: tanto o transladar das almas de um corpo a outro, quanto a ida a um céu ou um inferno me soam muito simplistas e individualistas, duas coisas que não condizem com o modus operandus da Natureza. Contudo, eu consigo entender os argumentos de quem enxerga a realidade desse modo. 

Na minha percepção, a continuidade (o renascimento) do intelecto (da alma?) se dá de forma muito mais abrangente e elegante. O intelecto renasce através das ações. Nossas ações são o veículo pelo qual interagimos e impactamos o mundo. Na medida em que minhas ações contribuem para transformar o modo como outras pessoas agem, eu estou renascendo através das ações dessas pessoas; da mesma forma, as ações que eu sofro interferem no modo como eu ajo e, portanto, um novo "eu" - produto das ações sofridas - nasce a cada instante. A ciência é um exemplo clássico desse processo, como bem colocou Sir Isaac Newton: "se vi mais adiante, foi por estar sobre os ombros de gigantes". Um determinado campo do conhecimento é como uma grande vida, que vai sendo construída através das ações consecutivas de gerações e gerações de pesquisadores. E assim é também o comportamento coletivo: vamos sendo moldados pelas ações que consumimos, da mesma forma que nossos corpos vão sendo construídos pelo consumo de matéria. O renascimento é algo que acontece então tanto a nível material quanto a nível intelectual. E nesse ciclo segue a dança da Vida: iniciada num começo sem começo, e sem perspectiva de terminar.

(A rede de Indra fornece uma explicação interessante para o modo de enxergar a relação entre cada ser e o resto do universo. "Imagine uma teia de aranha multidimensional, coberta de pequenas gotículas de orvalho. E cada gota contém um reflexo de todas as outras gotas. E, em cada gota refletida, vê-se o reflexo das outras gotas, e assim por diante, ad infinitum." [2])

Nós, que somos literalmente todo o universo, temos toda a responsabilidade do mundo em nossas mãos. E toda a liberdade de fazer o que quisermos com ela. Só resta escolher qual ritmo queremos fazer nossos futuros eus dançarem. 

--
[1] Bhagavad Gita, 2:12
[2] Watts, Alan. "Alan Watts Podcast – Following the Middle Way #3". Disponível em: alanwattspodcast.com

3 de nov. de 2013

White Tyger

O mighty Tyger,
Guardian of the West Sky,
Let me be thy humble rider
For a brief score of time;
Grant me that I may follow Thee
Throughout thy scouting rounds,
Over countless galaxies,
Where Life and Love abound.

O, great Tyger:
Quickly! Seize me into thy Whiteness:
Though I be but a poet minor,
I vow to clash for thy Quest.
And, together, we shall fix this mess:
Subjugate demons and vipers;
Angels and Gods (the great dividers).

Thus could we set the world free,
Where Men would be their own;

Where Love, like a vast sea,
Would flood every single home,
With no border of faith or creed:
A World where only Peace is enthroned.

O, mighty Guardian!
Let me dream, let me dream!
Let me hunt, like thy kin Orion,
All my utopias and schemes;

Help me, Tyger: carry me on!
I need your brave scream, your mighty roar,
To frighten and empower my trembling soul.

O Tyger, mighty Tyger.
How many ages have Thee witnessed so far?
How many pitiful poets and wandering fighters;
Beggars and kings; sinners and saints, virtuous and liars:
All but insignificant little nothings, wailing at thee in awe.


Thy Stars are gazed upon since time afar,
And yet, Thou too art nowhere to be found.


--

(Orion Nebula. Photo by Hubble telescope. All credits belong to NASA and ESA. The Orion belt (middle left) together with Betelgeuse, Bellatrix, Saiph and Rigel stars, make up the so called "3rd Palace" of Chinese astronomy, within the huge White Tiger group of constellations. For more information on the photo: http://www.astronet.ru/db/xware/msg/apod/2006-01-20)


25 de out. de 2013

Abre tuas asas,
E voa longe, longe;
O mais alto que puder:
O mundo inteiro brilha apenas para ti
E se abre a teus pés.
Basta ter a coragem de pular.



Dusk

Sheep cloudlets,
Floating fierily through the empty sky:
May they carry on my love,
And reach you 
By sunrise


25 de ago. de 2013

Restlessly

Restlessly
Looking for you
In the silence of a starless night
To the bitter cry of the cicadas
And the shine of the moonlight
I look for you
Where no one else does
And where everyone finds
Restlessly
Anxiously
Silently


15 de jun. de 2013

El hombre invisible

"Yo me río,
me sonrío,
de los viejos poetas,
yo adoro toda
la poesía escrita,
todo el rocío,
luna, diamante, gota
de plata sumergida
que fue mi antiguo hermano
agregando a la rosa,
pero
me sonrío,
siempre dicen "yo",
a cada paso
les sucede algo,
es siempre "yo",
por las calles
solo ellos andan
o la dulce que aman,
nadie más:
no pasan pescadores,
ni libreros;
no pasan albañiles,
nadie se cae
de un andamio,
nadie sufre,
nadie ama,
solo mi pobre hermano,
el poeta,
a él le pasan
todas las cosas
y a su dulce querida,
nadie vive
sino él solo,
nadie llora de hambre
o de ira,
nadie sufre en sus versos
porque no puede
pagar el alquiler,
a nadie en poesía
echan a la calle
con camas y con sillas
y en las fábricas
tampoco pasa nada,
no pasa nada,
se hacen paraguas, copas,
armas, locomotoras,
se extraen minerales
rascando el infierno,
hay huelga,
vienen soldados,
disparan,
disparan contra el pueblo,
es decir,
contra la poesía,
y mi hermano
el poeta
estaba enamorado,
o sufría
porque sus sentimientos
son marinos,
ama los puertos
remotos, por sus nombres,
y escribe sobre océanos
que no conoce,
junto a la vida, repleta
como el maíz de granos,
él pasa sin saber
desgranarla,
él sube y baja
sin tocar la tierra,
o a veces
se siente profundísimo
y tenebroso,
él es tan grande
que no cabe en sí mismo,
se enreda y desenreda,
se declara maldito,
lleva con gran dificultad la cruz
de las tinieblas,
piensa que es diferente
a todo el mundo,
todos los días come pan
pero no ha visto nunca
un panadero
ni ha entrado a un sindicato
de panificadores,
y así mi pobre hermano
se hace oscuro,
se tuerce y se retuerce
y se halla
interessante.
interessante,
esta es la palabra,
yo no soy superior
a mi hermano
pero sonrío,
porque voy por las calles
y sólo yo no existo,
la vida corre
como todos los ríos,
yo soy el único
invisible,
no hay misteriosas sombras,
no hay tinieblas,
todo el mundo me habla,
me quieren contar cosas,
me hablan de sus parientes,
de sus miserias
y de sus alegrías,
todos pasan y todos
me dicen algo,
y cuántas cosas hacen!
cortan maderas,
suben hilos eléctricos,
amasan hasta tarde en la noche
el pan de cada día,
con una lanza de hierro
perforan las entrañas
de la tierra
y convierten el hierro
en cerraduras,
suben al cielo y llevan
cartas, sollozos, besos,
en cada puerta
hay alguien,
nace alguno,
o me espera la que amo,
y yo paso y las cosas
me piden que las cante,
yo no tengo tiempo,
debo pensar en todo,
debo volver a casa,
pasar al Partido,
qué puedo hacer,
todo me pide
que hable,
todo me pide
que cante y cante siempre,
todo está lleno
de sueños y sonidos,
la vida es una caja
llena de cantos, se abre
y vuela y viene
una bandada
de pájaros
que quieren contarme algo
descansando en mis hombros,
la vida es una lucha
como un río que avanza
y los hombres
quieren decirme,
decirte,
por qué luchan,
si mueren,
por qué mueren,
y yo paso y no tengo
tiempo para tantas vidas,
yo quiero
que todos vivan
en mi vida
y canten en mi canto,
yo no tengo importancia,
no tengo tiempo
para mis asuntos,
ne noche y de día
debo anotar lo que pasa,
y no olvidar a nadie.
Es verdad que de pronto
me fatigo
y miro las estrellas,
me tiendo en el pasto, pasa
un insecto color de violín,
pongo el brazo
sobre un pequeño seno
o bajo la cintura
de la dulce que amo,
y miro el terciopelo
duro
de la noche que tiembla
con sus constelaciones congeladas,
entonces
siento subir a mi alma
la ola de los misterios,
la infancia,
el llanto en los rincones,
la adolescencia triste,
y me da sueño,
y duermo
como un manzano,
me quedo dormido
de inmediato
con las estrellas o sin las estrellas,
con mi amor o sin ella,
y cuando me levanto
se fue la noche,
la calle ha despertado antes que yo,
a su trabajo
van las muchachas pobres,
los pescadores vuelven
del océano,
los mineros
van con zapatos nuevos
entrando en la mina,
todo vive,
todos pasan,
andan apresurados,
y yo tengo apenas tiempo
para vestirme,
yo tengo que correr:
ninguno puede
pasar sin que yo sepa
adónde va, qué cosa
le ha sucedido.
No puedo
sin la vida vivir,
sin el hombre ser hombre
y corro y veo y oigo
y canto,
las estrellas no tienen
nada que ven conmigo
la soledad no tiene
flor ni fruto.
Dadme para mi vida
todas las vidas,
dadme todo el dolor
de todo el mundo
yo voy a transformarlo
en esperanza.
Dadme
todas las alegrías,
aun las más secretas,
porque si así no fuera,
cómo van a saberse?
Yo tengo que contarlas,
dadme
las luchas
de cada día
porque ellas son mi canto,
y así andaremos juntos,
codo a codo,
todos los hombres,
mi canto los reúne:
el canto del hombre invisible
que canta con todos los hombres."
(Pablo Neruda, Ms. Sant'Angelo, Ischia, 24.6.1952)

20 de mai. de 2013

Straws


Carissima amica
(già perduta a tanto tempo fa),


Mi manchi. 

Mi manca nostri incontri occasionali:
Un caffè a Starbucks, o patate a Outback; 

Poter parlare con te di tutto ciò che nessun altro può capire,
Tra due o tre tazzine di caffè.

Mi manca il tuo sorriso e la gentilezza dei occhi tuoi,

Sempre pronti ad abbraciarmi, nonostante tutte le mie spine
(Che a volta, lo so, ti hanno ferito tanto.)
Tu mi manchi, carissima, davvero.


Ma lo so che nostre strade sono diversi,
Che hai incontrato il tuo piccolo (grande) principe

(Lui chi ha, contrario di me, imparato a ascoltare e rispondere al tuo cuore)
E sei ancora complessa, sicura e felice.
Questo fa la tua assenza in mio cuore leggera;
Una piuma bianca che attraversa un cielo blu,
Bella da guardare, ma anche più bella da lasciare volare nell'infinito.

(Comunque,
Mi manchi, carissima!)

:)

18 de abr. de 2013

Crescente

Tonight the Moon reaches the first quarter.
How many times has this happened before?
I wonder what things shall pass
Until this endless cycle come to an end.
I guess that's what life's about after all:
Aren't we all waxing and waning all the time?
And the Full Moon is just part of the journey (not its end),
As beautiful, unique, happy and sad
As any crescent or gibbous stages;
Or even the dark New Moon nights.
Every step and every phase are just
Beginnings and ends by themselves:
That's the endless journey of Life.
(And it's Wonderful.)

8 de abr. de 2013

Flowers

Washing you - washing me;
Letting everything be washed away to the very last drop,
So that all that remains
Is the pure, complete, atomic reality:
The only true Buddha.




4 de abr. de 2013

Tudo à sua espera

Poema do poeta inglês David Whyte, intitulado "Tudo à sua espera". Parte do livro de mesmo nome.
(Tradução livre)

Seu maior erro é atuar nessa peça
como se estivesse sozinho. Como se a vida
fosse um crime perfeito em progresso,
sem testemunhas de cada pequeno detalhe.
Sentir-se abandonado é negar a intimidade
com nossas vizinhanças. Por certo mesmo você,
às vezes, já sentiu a grande platéia;
sua presença inflada e suas vozes em coro,
sufocando sua voz solitária.
Você deve perceber o modo como o detergente
te dá poderes especiais, ou como
o trinco na janela te oferece liberdade.
Atenção é a disciplina oculta da familiaridade.
As escadas são suas conselheiras quanto às coisas que virão,
e as portas sempre estiveram ali para te assustar,
e para te convidar. O pequeno speaker do telefone
é a porta dos seus sonhos para a divindade.
Coloque de lado o peso de sua solidão
e relaxe na conversa. A chaleira está cantando,
mesmo enquanto te serve um chá; e as panelas
já deixaram de lado sua indiferença arrogante e
finalmente viram o bom em você. Todos os pássaros
e criaturas do mundo são indizivelmente
elas mesmas. Tudo está à sua espera.

--

Original (available here):

Your great mistake is to act the drama
as if you were alone. As if life
were a progressive and cunning crime
with no witness to the tiny hidden
transgressions. To feel abandoned is to deny
the intimacy of your surroundings. Surely,
even you, at times, have felt the grand array;
the swelling presence, and the chorus, crowding
out your solo voice You must note
the way the soap dish enables you,
or the window latch grants you freedom.
Alertness is the hidden discipline of familiarity.
The stairs are your mentor of things
to come, the doors have always been there
to frighten you and invite you,
and the tiny speaker in the phone
is your dream-ladder to divinity.
Put down the weight of your aloneness and ease into
the conversation. The kettle is singing
even as it pours you a drink, the cooking pots
have left their arrogant aloofness and
seen the good in you at last. All the birds
and creatures of the world are unutterably
themselves. Everything is waiting for you.

This poem showed up in this Easter's dharma talk themed "What gets us in conflict," by the meditation teacher Daniel Bowling at the Insight Meditation Center. Available in this link.

31 de mar. de 2013

Le Soleil

Isn't it magical?
N'importe pas combien de langues nous parlons,
No matter how many technologies we have:
Somehow nothing brings you closer to me than the Sun.
Isn't it incredible that,
No matter how far we are,
There are these precise little moments
Where we can both share the same view?
Where we can both look at each other,
Through this great huge fireball?
Ah, Nature!

Pascha

Pendurado na cruz
Ele é apenas Um:
Inteiro, completo;
Sem divisões ou partes.
É um, e é três, quatro; 6 bilhões.
É o pastor homofóbico que odeia,
E o casal homosexual que ama;
O monge budista com porrete nas mãos
E o muçulmano ensanguentado caído no chão.
É o adolescente confuso e perdido
Que assassina uma família por medo;
E é o padre que lava e beija os pés desse jovem
Enquanto carrega o peso do mundo das costas.

Pendurado na cruz,
Ele é apenas Um,
Que também é três e bilhões mais:
O monge que se imola no Tibete
E os oficiais chineses que o espancam;
É o político que desvia recursos,
E a doméstica que luta por direitos trabalhistas.
É o mendigo que morre queimado,
E é também o jovem que o mata.

Quem é aquele pendurado na cruz?

É aquele que apenas É;
E é apenas um - completo, inteiro.
É você e sou eu: apenas Um
Do tamanho do Universo.

--

(Switchfoot - Twenty-four)

24 de mar. de 2013

Sappho



Terminei esses dias de ler uma coletânea de fragmentos de poemas de Sappho, poetisa grega do século VI a.C. Gostei tanto que resolvi registrar alguns trechos aqui (obrigado ao Project Gutenberg por disponibilizar o livro de graça, e pela excelente tradução do poeta Bliss Carman!). Enjoy!


Que hajam guirlandas, Dica,
Em teus adorados cabelos;
E delicados raminhos em flor,
Tecidos por tuas mãos macias.

Pois aquele que é coroado por flores
Goza do favor dos deuses,
Que não têm bons olhos
Para os não-adornados.


--

Cresce uma nespereira
Na frente da casa do meu amor.
Lá, ao longo do dia,
O vento faz um som agradável.

E quando chega o entardecer,
Sentamo-nos juntos ao crepúsculo,
E observamos as estrelas
Aparecendo no azul silencioso.


--

Houve um tempo em que repousavas em meu colo,
Enquanto o longínguo luar prateado
Percorria pelas planícies, com aquela paixão pura
Toda tua.

Agora, a Lua se foi. As Plêiades
Já passaram, e a escuridão da noite se vai;
Escorrem as horas, e em meu leito
Encontro-me só. 


--

Ah, o que sou eu senão uma tormenta:
Obstinada, impetuosa, quebrada,
Como o clamor das águas esbravejado
No desfiladeiro azul?

Ah, e o que és tu senão uma fronde de samambaia,
Molhada pelo respingar do rio:
Timida, adorável, frágil,
Escondida na reentrância do rochedo?

Contudo, não somos por um breve dia,
Enquanto o Sol dorme na montanha,
Selvagens, amante e amado,
Seguros nos braços de Pan?


--

Amor, deixa o vento gritar
Na montanha negra,
Dobrando os freixos
E as cicutas altas;
Com a voz estrondante
De legiões trovejantes,
O quanto te adoro.

Deixa que a rouca torrente
Do desfiladeiro azul,
Murmurando ferozmente
Da cinza névoa
Do caos primordial,
Jamais cesse de proclamar
O quanto te adoro.

Deixa que o longo ritmo
Das vagas espumantes,
Quebrando e rugindo
No branco litoral,
Titânicas e incansáveis,
Conte, enquanto o mundo sobreviver,
O quanto te adoro.

Amor, deixa que o chamado claro
Do grilo silvestre,
A mais frágil das criaturas,
Verde como a grama jovem,
Marque com seu trilo
Ressonante tom agudo,
O quanto te adoro

Deixa que o alegre canto da cotovia
Pela campina,
Aquela doce lírica
De prata derretida,
Seja como um sinal
Para os mortais que a ouvirem
Do quanto te adoro.

Mas, mais do que todos os sons;
Mais certo, mais sereno,
Mais cheio de paixão
E exultação;
Deixa que o sussurro apressado
Em teu próprio coração confesse
O quando eu te adoro.


--

"Quem foi Atthis?" - homens perguntarão,
Quando o mundo for velho, e o tempo
Tiver cumprido sem pressa
O estranho destino dos Homens.

Porventura, naquela era longinqua,
Alguém há de encontrar essas canções prateadas
Com sua carga humana, e descobrir
Que bela amante Sappho foi!


--

Será que os homens se lembrarão de nós
Nos dias que estão por vir;
De tua adorável beleza
E do meu amor por ti?

Tu, o jacinto que cresce
Por um rio de águas calmas;
Eu, o reflexo aqueluzente
E o clarão disforme.


--

Ninguém falará de Sappho;
De seus amores,
E do amor que ela lhes deu:
Alegrias, dias e beleza;
Sonatas de flauta e rosas,
Canções e vinho e gargalhadas.

Será que ninguém, ao contemplar, dirá:

"E contudo, mesmo com todas as rosas,
E todas as flautas e amores;
Não tenha dúvidas que ela sentia-se só.
Só como o mar, cuja cadência
Assombra o mundo desde sempre."

--

Como um lírio vermelho nos gramados da campina,
Embalado pelo vento e queimando à luz do Sol,
Eu vi a ti, onde a cidade se engasga com o tráfego,
Sustentando entre os transeúntes tua beleza,
Imaculada, selvagem e delicada como uma flor.


--

Veja, onde os brancos
Garanhões de Poseidon
Calcam com truculência
A costa flutuante!

Mais velha que Saturno,
Mais velha que Réia;
Aquela canção lúgubre
De cheias e vazantes,
Num amplo ritmo
Incessante, eterno
Continua marcando o tempo
De tudo que é mortal.

Quantos amantes
Não foram por ela ninados,
Embalados ao descanso
Com as flores maduras.
Antes por nosso prazer,
Esse dourado Verão
Caminhava pelos milharais
Em gracioso esplendor!

Quantos amantes
Não serão chamados por ela,
Nos longos dias de Primavera
Com o passar das eras,
Quando todos os nossos devaneios
Forem esquecidos,
E não houver mais lembranças
Sequer da tua beleza!

Eles também adormecerão
Em lugares quietos,
E hão de ser surpreendidos
Pelos poderosos sons do mar.

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English source:


X
Let there be garlands, Dica,
Around thy lovely hair.

And supple sprays of blossom
Twined by thy soft hands.

Whoso is crowned with flowers
Has favour with the gods,
Who have no kindly eyes
For the ungarlanded.


XIX
There is a medlar-tree
Growing in front of my lover's house,
And there all day
The wind makes a pleasant sound.

And when the evening comes,
We sit there together in the dusk,
And watch the stars
Appear in the quiet blue.


XXII
Once you lay upon my bosom,
While the long blue-silver moonlight
Walked the plain, with that pure passion
All your own.

Now the moon is gone, the Pleiads
Gone, the dead of the night is going;
Slips the hour, and on my bed
I lie alone.


XXIX
Ah, what am I but a torrent,
Headstrong, impetuous, broken,
Like the spent clamour of waters
In the blue canyon?

Ah, what art thou but a fern-frond,
Wet with blown spray from the river,
Diffident, lovely, sequestered,
Frail on the rock-ledge?

Yet, are we not for one brief day,
While the sun sleeps on the mountain,
Wild-hearted lover and loved one,
Safe in Pan's keeping?


XXXI
Love, let the wind cry
On the dark mountain,
Bending the ash-trees
And the tall hemlocks,
With the great voice of
Thunderous legions,
How I adore thee.

Let the hoarse torrent

In the blue canyon,
Murmuring mightily
Out of the grey mist
Of primal chaos,
Cease not proclaiming
How I adore thee.

Let the long rhythm

Of crunching rollers,
Breaking and bellowing
On the white seaboard,

Titan and tireless,
Tell, while the world stands,
How I adore thee.

Love, let the clear call

Of the tree-cricket,
Frailest of creatures,
Green as the young grass,
Mark with his trilling

Resonant bell-note,
How I adore thee.

Let the glad lark-song
Over the meadow,
That melting lyric

Of a molten silver,
Be for a signal

To listening mortals,
How I adore thee.

But more than all sounds,
Surer, serener,
Fuller with passion

And exultation,
Let the hushed whisper

In thine own heart say,
How I adore thee.


XXXII
Heart of mine, if all the altars
Of the ages stood before me,
Not one pure enough nor sacred
Could I find to lay this white, white
Rose of love upon.

I who am not great enough to
Love thee with this mortal body
So impassionate with ardour,
But oh, not too small to worship
While the sun shall shine,

I would build a fragrant temple

To thee, in the dark green forest,
Of red cedar and fine sandal,
And there love thee with sweet service
All my whole life long.

I would freshen it with flowers,
And the piney hill-wind through it

Should be sweetened with soft fervours
Of small prayers in gentle language
Thou wouldst smile to hear.

And a tinkling Eastern wind-bell,
With its fluttering inscription,
From the rafters with bronze music
Should retard the quiet fleeting
Of uncounted hours.

And my hero, while so human,
Should be even as the gods are,

In that shrine of utter gladness,
With the tranquil stars above it
And the sea below.


XXXIV
"Who was Atthis?" men shall ask,
When the world is old, and time
Has accomplished without haste
The strange destiny of men.

Haply in that far-off age
One shall find these silver songs,
With their human freight, and guess
What a lover Sappho was.


XXXVIII
Will not men remember us
In the days to come hereafter,-
Thy warm-coloured loving beauty
And my love for thee?

Thou, the hyacinth that grows
By a quiet-running river;
I, the watery reflection
And the broken gleam.


LIX
Will none say of Sappho,
Speaking of her lovers,
And the love they gave her,-
Joy and days and beauty,
Flute-playing and roses,
Song and wine and laughter,-

Will none, musing, murmur
,
"Yet, for all the roses,
All the flutes and lovers,
Doubt not she was lonely
As the sea, whose cadence
Haunts the world for ever."

LXX
My lover smiled, "O friend, ask not
The journey's end, nor whence we are.
That whistling boy who minds his goats
So idly in the grey ravine,

"The brown-backed rower drenched with spray,
The lemon-seller in the street,
And the young girl who keeps her first
Wild love-tryst at the rising moon,-

"Lo, these are wiser than the wise.
And not for all our questioning
Shall we discover more than joy,
Nor find a better thing than love!

Let pass the banners and the spears,
The hate, the battle, and the greed;
For greater than all gifts is peace,
And strength is in the tranquil mind."

XCII (fragment)
Like a red lily in the meadow grasses,
Swayed by the wind and burning in the sunlight,
I saw you, where the city chokes with traffic,
Bearing among the passers-by your beauty,
Unsullied, wild, and delicate as a flower.


XCV
Hark, where Poseidon's
White racing horses
Trample with tumult
The shelving seaboard!

Older than Saturn,
Older than Rhea,
That mournful music,
Falling and surging

With the vast rhythm
Ceaseless, eternal,
Keeps the long tally
Of all things mortal.

How many lovers
Hath not its lulling
Cradled to slumber
With the ripe flowers,

Ere for our pleasure
This golden summer
Walked through the corn-lands
In gracious splendour!

How many loved ones
Will it not croon to,
In the long spring-days
Through coming ages,

When all our day-dreams
Have been forgotten,
And none remembers
Even thy beauty!

They too shall slumber
In quiet places,
And mighty sea-sounds
Call them unheeded.



22 de mar. de 2013

Lenting

Clean mind, pure heart:
Touching skin, bones and marrow.
Watch the cross disappear,
As sakura trees bloom.





10 de mar. de 2013

サンセット


Café quente,
Um bom livro.
O sino ecoando do templo distante,
A lembrar que
O caminho é um só.


--

9 de mar. de 2013

Marching

All the gods wake from their white sleep
And bloom in full pink:
I can't help bowing in awe
And offering a prayer.
--

(Plum tree at Ueno park)

Quack quack!

The sound of ten thousand dharmas
All echoing in small ripples
On the big, boundless, crystal lake

3 de mar. de 2013

Call me by my true names


Hoje, enquanto fazia uma das atividades mais contemplativas do mundo (lavar louça), ouvi um poema do mestre vietnamita Thich Nhat Hanh no podcast do Insight Meditation Center que me chamou bastante a atenção. É um poema escrito nos anos 80, época em que os problemas da fome e das guerrilhas na África conquistavam a mídia. Nas palavras do autor, "esse é um poema sobre três de nós. A primeira pessoa é uma garota de doze anos: um dos refugiados cruzando o Golfo de Sião em um pequeno barco que, após ser estuprada por um pirata, atirou-se ao mar. A segunda é o pirata, nascido em uma vila remota na Tailândia. E a terceira pessoa sou eu. Eu estava muito irritado, claro, mas não podia simplesmente tomar partido contra o pirata: se eu pudesse, teria sido mais fácil, mas não pude. Eu percebi que, se eu tivesse nascido em seu vilarejo e experimentado uma vida similar à dele - em termos econômicos, educacionais, etc. - seria bastante provável que eu também tivesse me tornado um pirata. Portanto, não é fácil escolher um lado. Do sofrimento, escrevi esse poema. Se chama 'me chame pelos meus nomes verdadeiros,' porque eu tenho muitos nomes e, quando me chamam por um deles, devo simplesmente dizer 'sim.'" 


Não digas que partirei amanhã:
mesmo hoje ainda estou chegando.
Olhe bem: a cada segundo estou chegando
para ser um botão num galho de primavera;
para ser um pequeno pássaro, com suas asas ainda frágeis,
aprendendo a cantar em meu novo ninho;
uma lagarta no coração de uma flor;
e uma jóia oculta numa rocha.
Eu ainda chego, para rir e para chorar;
para ter medo, e para ter esperança.
O ritmo do meu coração é o nascimento e a morte
de tudo o que vive.
Sou a libélula, metamorfoseando
sobre espelho d'água do rio.
Sou o pássaro,
que mergulha para engolí-la.
Sou o sapo nadando alegremente
nas águas límpidas de uma lagoa.
Sou a cobra-d'água,
que silenciosamente se alimenta dele.
Sou a criança da Uganda - pele e ossos;
minhas pernas, finas como varas de bambu.
Sou o mercador de armas,
vendendo a morte para a Uganda.
Sou a menina de doze anos,
refugiada em um pequeno barco,
que se joga no oceano
após ser estuprada por um pirata.
E sou o pirata:
meu coração ainda incapaz
de enxergar e amar.
Sou um membro do politburo,
com as mãos cheias de poder.
E sou o homem simples que deve pagar
seu "débito de sangue" ao seu povo,
morrendo lentamente em um campo de trabalho forçado.
Minha alegria é como a primavera: tão quente
que faz flores brotarem por toda a Terra.
Minha dor, como um rio de lágrimas
tão vasto que preenche todos os quatro oceanos.
Por favor, me chame pelos meus nomes verdadeiros,
para que eu possa ouvir todos meus gritos e gargalhadas de uma só vez;
para que eu possa perceber que minha alegria e minha dor são uma coisa só.
Por favor, me chame pelos meus nomes verdadeiros,
para que eu possa acordar,
e que a porta do meu coração
possa permanecer aberta;
a porta da compaixão.

(Thich Nhat Hanh)
--


Don't say that I will depart tomorrow --
even today I am still arriving.

Look deeply: every second I am arriving
to be a bud on a Spring branch,
to be a tiny bird, with still-fragile wings,
learning to sing in my new nest,
to be a caterpillar in the heart of a flower,
to be a jewel hiding itself in a stone.

I still arrive, in order to laugh and to cry,
to fear and to hope.

The rhythm of my heart is the birth and death
of all that is alive.

I am the mayfly metamorphosing
on the surface of the river.
And I am the bird
that swoops down to swallow the mayfly.

I am the frog swimming happily
in the clear water of a pond.
And I am the grass-snake
that silently feeds itself on the frog.

I am the child in Uganda, all skin and bones,
my legs as thin as bamboo sticks.
And I am the arms merchant,
selling deadly weapons to Uganda.

I am the twelve-year-old girl,
refugee on a small boat,
who throws herself into the ocean
after being raped by a sea pirate.
And I am the pirate,
my heart not yet capable
of seeing and loving.

I am a member of the politburo,
with plenty of power in my hands.
And I am the man who has to pay
his "debt of blood" to my people
dying slowly in a forced-labor camp.

My joy is like Spring, so warm
it makes flowers bloom all over the Earth.
My pain is like a river of tears,
so vast it fills the four oceans.

Please call me by my true names,
so I can hear all my cries and my laughter at once,
so I can see that my joy and pain are one.

Please call me by my true names,
so I can wake up,
and so the door of my heart
can be left open,
the door of compassion.



--
(Fonte: http://www.allspirit.com/names.html)

28 de fev. de 2013

Arrivederci

Under the white cassock
A fragile old body
And a burning heart
Exploding love.
A living Christ:
A living Buddha.




26 de fev. de 2013

A kind kind of kindness


Passei alguns minutos lendo o dicionário hoje. Não, claro que não o abri deliberadamente e comecei a lê-lo - creio que ninguém mais faça isso hoje em dia -: fui à caça da etimologia da palavra inglesa 'kindly.' Naquele momento, estava discutindo com um amigo sobre a possibilidade de kind (adj. bom, bondoso, sincero) ter a mesma raiz de kindle (v. embrasar, arder): para mim faria algum sentido que kind e kindle compartilhassem de uma mesma raiz, se enxergarmos bondade como um sentimento de um coração 'quente' (ok, pode parecer meio forçado mas, ainda assim, faria pelo menos um pouco de sentido).

Então, lá fui eu checar a etimologia de kind. Quem conhece um pouco de inglês sabe que kind apresenta dois significados: como substantivo, significa tipo, espécie (e.g. Sci-fi is one of my favourite kind of movies.); como adjetivo, tem os sentidos de (i) generoso, dedicado, que pensa nos sentimentos dos outros (e.g. She's a very kind person.); e (ii) que não causa dano ou perigo, benigno (e.g. Our product is kind to the environment.). Como pode a mesma palavra ter dois sentidos totalmente distintos como substantivo e adjetivo? Será que têm raízes diferentes? 

Ocorre que ambos sentidos originaram-se do mesmo vocábulo do Inglês arcaico, gecynd (significando tipo, natureza, raça como substantivo; e natural, inato, nativo como adjetivo): o prefixo ge- caiu por entre 1150 e 1250, e a grafia mudou de cynd para kind. Eventualmente, por volta do século XIV, o sentido do adjetivo evoluiu de inato para compassivo, benigno. [1]

O que me interessou foi notar uma sutil implicação filosófica disso: talvez compaixão e bondade fossem, então, consideradas qualidades inatas do ser humano. Aparentemente, apesar de a Inglaterra já ser cristianizada àquela época, os povos de lá ainda não haviam incorporado o conceito de natureza pecaminosa do ser humano propagado pela Igreja: St. Agostinho, por exemplo, definia já no século IV que - por causa do pecado original de Adão - toda a Humanidade apresenta-se num estado de depravação por natureza, sendo cada um incapaz de fazer o bem senão pela graça de Deus [2]. A visão de Agostinho, apesar de consolidada ao longo dos séculos pelos concílios da Igreja, não seguiu sem oposição; a mais notável de Tomás de Aquino, no século XIII. (Lutero e Calvino, principais nomes da Reforma, eram adeptos da visão de Agostinho - como, aliás, as igrejas evangélicas modernas fazem questão de deixar bem claro.)

Enfim, sempre simpatizei com os Bretões e seu bom senso; agora mais ainda. :) 

P.S.: No fim das contas, kind e kindle têm raízes diferentes: kindle vem do inglês arcaico cundel (colocar fogo, inflamar) de onde, aliás, também vem a palavra para vela, candle.


--
[1] Vide http://www.etymonline.com/index.php?allowed_in_frame=0&search=kind
[2] Vide http://en.wikipedia.org/wiki/Original_sin#Augustine

White solitude

Over the vast whiteness
Only silence,
The shivering of trees,
And my anxiously beating heart.


12 de fev. de 2013

Satori

Manhã ensolarada num velho mosteiro português. Pedro debruça-se no parapeito da janela de sua pequena cela, enquanto alguns fracos raios de Sol pintam no chão escuro um padrão quadriculado. Há quantos meses estaria ali já? Ele, que passara anos estudando Latim, Grego, Hebraico e Aramaico; relendo textos antiquíssimos e memorizando rituais milenares; ele, que sentia claramente o chamado divino para exercer o sagrado ministério de Cristo, sentia-se só.

Pedro sentia-se só. 

Pedro sentia-se só; e não se tratava daquele tipo de solidão que bate quando se está sozinho: era uma solidão maior, mais profunda - daquelas que poucos conheceram. Pedro sabia que o mundo fervilhava a seu redor: ouvia falar de governos e guerras, dos avanços na Medicina, dos milagres da Ciência; conhecia advogados, bancários, artistas e tinha consciência do vasto leque de possíveis caminhos que cada Homem na Terra encontrava frente a si. E, mais ainda, Pedro sabia que, enquanto esse insano mundo girava, ele estava ali - debruçado em sabedorias centenárias e ritos arcaicos; vivendo uma realidade tão diferente daquela que o resto do mundo conhecia que enchia-se de dúvidas e medos (seria ele seria capaz de compreender aos fiéis e guiá-los, mesmo vivendo em um paradigma tão distinto?). Quanta coisa estaria perdendo? Quantos sorrisos? Quantos abraços, quantos amores? Quanta vida?

(Há noites, ajoelhado em seu oratório, Pedro questionava o propósito de seu chamado. Por que ele estaria ali, vivendo voluntariamente isolado de todos, quando poderia ter escolhido uma vida comum,  algum ofício habitual, amigos e - por que não? - alguma garota bonita em sua pequena cidadezinha do interior? Já revirara os evangelhos sinópticos; já estudara as epístolas paulinas, lera Agostinho, Orígenes, Aquino - até Lutero e Calvino! - e não encontrou as respostas que buscava. Decidira então, talvez como último recurso, rezar.) 

Lá fora, no velho carvalho em frente à janela de Pedro, um sabiá começa a cantar. O jovem seminarista observa encantado, por entre as grossas grades de ferro, o pequeno animalzinho. Lágrimas tímidas rolam de seus olhos e marcam sua batina surrada. Pedro, de repente, esquecera o que é que tanto procurava; esquecera todas as perguntas e todas as respostas que esperava encontrar. Levantou-se lentamente com um sorriso (coisa que, suspeitava, seu corpo havia desaprendido), cruzou a cela e ajoelhou em seu oratório. Nunca havia sentido solidão tão plena.

(Sé do Porto. Porto, 21 de dezembro de 2012)

11 de fev. de 2013

7 de fev. de 2013

Vinte-e-um do doze

Um dia para o fim do mundo
E agora, para onde fugir?
As colinas estão longe
(E já devem estar lotadas por agora.)

Um dia para o fim do mundo.
Pelo menos escaparei por algumas horas mais.
Apesar que - fim do mundo por fim do mundo -
O Japão parece-me estar melhor preparado
(Afinal, já passou por tantos...)

Um dia para o fim do mundo
Um dia para um novo recomeço
Poderíamos fazê-lo direito dessa vez;
Assim o fim do mundo não seria uma má ideia.

Um dia para o fim do mundo
E eu que achava que ele acabava a cada segundo...

(20 Dez, 2012. Porto)

Mirando

Cruzando cidades, países
Cruzando vidas que vêm e vão
Por que tudo isso?
O mundo parece tão largo e diverso!
No fundo, contudo,
Somos todos iguais:
Todos poeira de estrelas e galáxias,
Resquícios remendados e acrescidos
De tudo aquilo que fomos antes.
Oh mundo, vasto mundo,
Que tem tantas pessoas iguais
E tantas vidas distintas.

(20 Dez, 2012. Braga)

King's Cross

That hug
And the world stops with the train.
"Goodbye! And take care," she said.
"I love you so much!" the whole world heard.

(Dec 14th, 2012)


York Minster

The Winter Evensong:
The air freezes outside. Inside,
My soul is ablaze.


(Dec 13th, 2012)
~


31 de jan. de 2013

6.18AM


A noite arrasta-se tartarugamente,
Como um bêbado que desliza em câmera lenta sobre uma pista de ovos.
Embalada pelas batidas fortes (com mais decibéis que conteúdo),
Te vejo sentada no canto, mirando o nada.
'O que se passa ali dentro?', pergunto-me sem efeito.
Tuas mãos nas dele, e as dele encasuladas nas tuas:
Um carinho singelo, quase desapercebido na enebriação do grogue.
Teus olhos, distantes: além do além.

Lágrimas escorrem sem propósito.
Misturam-se a um resquício de suor mal-evaporado
Lavando meus olhos e queimando-os como álcool em ferida aberta.
Então isso é tudo. Ponto final.
Nada existe de mais decepcionante no mundo que as malditas expectativas!
Nem sonhos incabados, nem o primeiro beijo, nem o final de Lost;
Nada decepciona mais do que expectativas.

O sol clareia aos poucos o céu sobrecarregado.
O friozinho da manhã e a caminhada longa ajudam a aliviar os efeitos do álcool.
Vocês caminham, a passos meio entrelaçados, de mãos dadas.
Aquelas lágrimas secam ao vento fresco
E são deixadas para trás
Com o raiar do novo dia.

Nan

Não sei nem o que
Nem o porque,
Muito menos o saberia dizer
Assim, sem mais nem menos,
Espontaneamente.

Não sei mesmo o que é,
Mas sei que algo há.
Algo que não sei dizer ou explicar
E, na real, nem sei se fazê-lo é necessário:
Explicações são tão chatas!
Monotonizam o que quer que se prestem a (tentar) explicar.
(A luz refletida nas asas de um avião
Torna-se-ia então um mero reflexo
Da realidade que encanta o observador.
Quem se importa com as leis da Óptica?!
Para o inferno com Snell, Kepler
E os demais infiéis da Física!)

Só sei que nem sei o que é
E muito menos o porque;
Mas, sinceramente, dane-se:
A ignorância é uma dádiva.
(Felizes os que sabem reconhecê-la.)

kotoba

Flutuantes
Palavras
Voam sem rumo
Dançam sem ritmo
E caem no esquecimento
Pois o que é que dura para sempre?

Flutuantes
Palavras
Como espumas no mar
Navegam sem direção
E chegam sabe-se lá onde
(E sabe-se lá quando.)

Flutuantes
Palavras
Voam longe, longe.
(Mas um dia chegam lá!)

Clock

That old sloppy clock,
Forgotten over the dusty fireplace,
Doesn't tick-tack anymore.
On its rusty arms,
Forever frozen in a single moment,
Time does not exist.
Time does not matter
For the old clock.
Its face's still shining portentously:
Just a fancy decoration to the plain white wall
But it is now useless,
It doesn't tick-tack anymore.
It is rusty, empty,
Hollow.

2.54 cm

Red lights dance around me
As feelings revolve inside
So vertiginously it makes me sick.
And you are standing there,
a mere couple of inches away.
So close I could touch your hands
(So close I could touch your hands!)

My heart throws itself on the vortex
Dissolves away into the flashing lights
Drops stunned on the dirty floor,
Like a drunkard who never knows when to stop
Only to find himself in the desolate,
Lonely state of rejected shit
Thrown up in the dance floor.

But you,
You are still standing there
A mere couple of inches away
So close I could touch your hands!

19 de jan. de 2013

Tempo


Meu eu de ontem disse pra mim
Oh, meu caro amanhã sempre feio
Quem me dera poder ser assim
Feito soneto que erra no fim

Eu de pronto rimei na canção
Meu desprezo do ontem razão
Meu desejo que um dia verão 
O lamento que dele me veio

Meu futuro sorriu encantado
Com orgulho dos passos já dados
Do caminho sofrido encontrado
Dos amores que sempre anseio

De começo no tempo eu errei
Já no metro inverti o refrão 
Sei que hoje esse meu coração 
Bate ontem, o amanhã que já veio

Música

E disse Deus "faça-se a música"
E assim fez-se Deus.