31 de dez. de 2010

2011

Resoluções para 2011:
Acordar e dormir todos os dias;
inspirar e expirar,
sorrir e chorar,
ler e escrever,
comer e beber, e
trabalhar e descansar.
(O resto é consequência.)


31

Trinta e um de dezembro:
Folhas caem das árvores,
e flores desabrocham.

27 de dez. de 2010

Tudo que se sabe dizer

Uma das coisas mais estúpidas que diz o homem é:
"Eu te amo", ou pior; "Você é tudo que existe para mim, sem você não sei viver"

Forçado? Não sei, só sei que às vezes é tudo que sabemos dizer...



Natal não é só o nascimento de Cristo (o que para os religiosos de plantão já é muita coisa), é também o nascimento do amor em sua forma mais humana. A encarnação de tudo que poderia fazer com olhares mais atentos e mais preocupados, contudo, nem todos sabemos ou temos o dom de agir com a perfeição de deuses que somos. Preferimos o conforto de nossos laços mais simples, acreditamos que os nobres de coração não somos nós. Talvez, mesmo que não sintamos o prazer [de alguns] de ir à luta, de buscar ajudar a todos com tudo que podemos, exista algo meio pelo qual possamos trabalhar pelo bem comum. As declarações de amor e afeto não precisam ser do modo que este cansado pensador quis demonstrar, com a inaptidão que possui com as palavras (nada poéticas). Um gesto de atenção, um sorriso animador, uma palavra de apoio, significam a percepção de que não estamos sozinhos. Perdemos tempo demais olhando pro céu e cobrando amor de um ser apaixonado por nós (ou nos perguntando se estamos ou não sozinhos...). Questionamos tanta coisa, inclusive tal paixão, sem perceber que tudo que se sabe dizer pode ser tudo que se precise dizer.



Sem mais,



RAMGA RESAO: lembrando os homens que se um Deus é nosso pai (como grande parte acredita), então Deuses somos também - em alguma medida.

24 de dez. de 2010

Natal

Oh, Noite feliz!
Pernil, vinho e presentes:
é isso que Jesus sempre quis?

22 de dez. de 2010

Me gustas cuando callas

"Me gustas cuando callas porque estás como ausente,
y me oyes desde lejos, y mi voz no te toca.
Parece que los ojos se tu hubieran volado
y parece que un beso te cerrara la boca.

Como todas las cosas están llenas de mi alma,
emerges de las cosas, llena del alma mía.
Mariposa de sueño, te pareces a mi alma,
y te pareces a la palabra melancolía.

Me gustas cuando callas y estás como distante.
Y estás como quejándote, mariposa en arrullo.
Y me oyes desde lejos, y mi voz no te alcanza:
déjame que me calle con el silencio tuyo.

Déjame que te hable también con tu silencio
claro como una lámpara, simple como un anillo.
Eres como la noche, callada y constelada.
Tu silencio es de estrella, tan lejano y sencillo.

Me gustas cuando callas porque estás como ausente.
Distante y dolorosa como se hubieras muerto.
Una palabra entonces, una sonrisa bastam.
Y estoy alegre, alegre de que no sea cierto."

(Pablo Neruda. In: Veinte poemas de amor y una canción desesperada, 1923)


E, no teu silêncio,
só há o vazio do teu eu;
que comunga do meu vazio eu
e nos faz um.
Amor meu, ouve-me:
se me tens amor sincero
nada dize: cala-te.

8 de dez. de 2010

Win-win

Take your time
Take your breath
Hold your tongue
Hide your wrath

Live your life
Mask your lies
Pretend you're fine
Jump and fly

And shut your self
Shut it tightly
Or you might lose it
And gain
the whole
world.

Pessach

O que se passa
Quando aquilo que passa
Passa sem pedir passagem;
Passa sem sobre passo
Sobre um passageiro
Que, de tantos passos,
Tropeçou no calço
Quando, no encalço do tempo,
(Que passava apressado)
Observava a paisagem
Passando despreocupada,
Como sinfonia de um compasso
Que gira, traço após traço,
Um mundo tão abstrato
Que parecia nunca passar.

O que se há de passar
Quando todo esse espaço
Infinito porém escasso
Eterno, conquanto fugaz.
Quando todo esse paradoxo
De uma eternidade passageira
Que relutamos em aceitar
Finalmente resolver passar?

29 de nov. de 2010

CSI

Digging all the way through your soul,
I ask you:

what
will
you
find
?

Imperfeição

O verdadeiro amor
Só é capaz de existir
Quando se deixa de acreditar
Que amor existe.

4 de nov. de 2010

Pleno vôo

Instrumentos em ordem

voamos pela vida das cidades

onde encostamos o lápis

e mentimos nossas verdades.

Matrizes

Já tive dias felizes

mesmo na contramão

rebobinando matrizes

arquivei Deus por precaução.

Na estação de trem

As velhas luzes da estação vascilam
Dançando ao farfalhar metálico dos trilhos
Eu ali espero você chegar,
Com olhos apertados à escuridão,
E o coração sapateando desregulado,
Como um velho trem abandonado
Correndo descarrilhado

3 de nov. de 2010

A Estrela

Ali no alto,
Brilhando despropositadamente,
Está a estrela que olhávamos ontem.
A mesma estrela que observou calada
Os mais excitantes romances escondidos
Sob o manto protetor da noite.
A paixão de Orfeu e Eurídice,
O desejo secreto de Julieta e Romeu,
Os devaneios de Marco Antonio e Cleópatra,
E o amor impossível de Píramo e Tisbe.
Estrela que inspirou Shakespeare,
Chaucer, Vinícius de Moraes, e Poe.
Serviu de guia aos reis magos,
E ajudou, por séculos, a traçar o destino do mundo.

Hoje ela continua ali,
Passando desapercebida e desinteressada,
No meio da poluição, das luzes da cidade,
Tentando se fazer enxergar
Por poetas perdidos na noite,
Se esforçando para ouvir os desejos dos amantes
(cada vez mais silenciados e descrentes,)
Procurando encontrar sentimentos puros
No meio de toda a sujeira aqui embaixo
E, olhe, cá entre nós:
Está cada vez mais difícil.

17 de out. de 2010

浄賢

(Ao Giuliano-senpai
Na ocasião de sua ordenação leiga,
16.10.10)


Quando se tem os olhos transparentes
A mente permanece como um calmo lago
Imenso, eterno e imperturbável
E, nessa quietude, não há julgamentos
Na ausência de julgamentos, não surge a dualidade
Na não-dualidade, há apenas a sabedoria
Apenas a sabedoria existe
Sabedoria límpida e imaculada
Sabedoria pura.

30 de set. de 2010

ODE à Ciência

Perco-me entre balanços de massa

Equações viriais e derivadas parciais

CSTRs, PFRs, PBRs e outros Rs mais

Perfis de concentração pelo tempo

Pelo tempo, pelo raio, pelo comprimento

Strings, loops e comentários

% só para deixar bem claro

% o que de claro nada tem


Mas a vida bem que podia ter seus ode, não é?

ode45, ode23, ode15s, ode102:

Pra solucionar cada infinitésimo de segundo que vier

Para cada interação (sempre não-ideal), pois

É sempre tão difícil entender o que se quer!

(Também o que não se quer, e o que nem se quer nem não se quer.)


Mas enquanto não prevemos da vida coisa alguma

Recolho-me à minha científica insignificância

À eterna labuta de compreender ao menos uma

Correndo como num sonho, numa eterna infância

Experimentando a maravilha de conhecer um mísero grão de areia

Frente à excitação de observar todo o mar infinito

Bem ali, ao toque dos dedos curiosos

E ao poético sonhar da imaginação sem limite.

11 de set. de 2010

Vinte e cinco

Os sonhos sempre mudam
Pois não é outra a natureza dos sonhos
Senão efêmera;
A vida também muda
Pois não é outra a natureza da vida
Senão efêmera;
Os olhos adquirem um novo brilho
Ora cansados,
Outrora nostálgicos:
Há muito saudosismo num quarto de século.
O olhar, contudo, é o mesmo;
O mesmo olhar apaixonado
E o mesmo olhar sonhador
(Ainda que os sonhos sempre mudem):
O mesmo olhar vazio.
No peito, um coração que arde
Que queima a chama da vida
A cada segundo que passa,
Ardendo como sol de meio-dia,
Pulsando com a energia de mil quasares
A vida que segue fluindo
Ordinária,
Única,
Especial,
Efêmera
E eterna.


3 de set. de 2010

A Espera

Na espera do momento perfeito
Os pequenos átimos de tempo
Escoam como moléculas de água
Pelo ar seco de inverno
Deslizando e se esgueirando
Delicadamente fugazes
Passeando pelo céu infinito
Pelo infinito da eternidade
Contida em cada segundo
Que passa desapercebido
Como a sombra de um cão guia a seu dono,
Conduzido passivamente
Enquanto vive a esperança
De abrir os olhos e andar sozinho.

30 de ago. de 2010

Difícil

Difícil entender
As coisas que são fáceis
Ou parecem fáceis
Até tentarmos entendê-las

11 de ago. de 2010

Damo




Há, em geral, um grande mal entendido sobre o uso de estatuetas como representação de alguma personalidade ou algum atributo em particular; especialmente aqui no Ocidente cristão. Na percepção cristã, uma estatueta é considerada uma "imagem", objeto de culto e adoração - o que vai contra os desígnios do deus cristão. Entretanto isso é apenas um grande mal entendido. Existe uma diferença notável entre o pensamento oriental e o ocidental, que deve ser levado em consideração (o que é impossível, se consideramos uma visão como "correta" - e consequentemente a outra como "errada").

No budismo Mahayana - particularmente no Zen - falamos em budas e bodhisattvas. O que são eles? Deuses? Demônios? Entidades para serem adoradas? Nada disso cabe no pensamento oriental. Essas designações são produto da análise de uma cultura com o pensamento de outra: algo fadado a interpretações errôneas.

Na foto, um boneco japonês tradicional, o damo. Esses bonecos são como o nosso "joão-bobo": são empurrados, caem e se levantam. Na cultura japonesa, é um símbolo de persistência. Ele representa o primeiro patriarca do Zen no oriente, também tido como um dos patriarcas do Kung Fu: o monge indiano Bodhidharma ("a verdade da iluminação," numa tradução literal) - 28º sucessor desde o buda Shakyamuni (o príncipe Sidarta).

Segundo a lenda, Bodhidharma teria chegado a Shaolin e ficado durante nove anos meditando em uma caverna, de frente a uma parede. Desses nove anos, sete ele teria dormido. Irritado com isso, teria arrancado suas próprias pálpebras e jogado-as no chão, do que teria brotado a erva do chá - para manter os estudantes de meditação acordados durante sua prática (por isso, Bodhidharma é também tido como patriarca do chá). Outra lenda conta que suas pernas e seus braços atrofiaram e caíram depois desse tempo todo em meditação. Disso resulta a forma do boneco japonês da figura: Um ovo, barbudo, com olhos sem pálpebra.

Exista um poema japonês que ilustra o pensamento representado pelo damo:

人生
七転び
八起き

Jinsei.
Nana kotobi
Ya oki.

Assim é a vida:
Caia sete vezes,
Levante oito.


7 de ago. de 2010

Quanto tempo!

As horas correm apressadas.
Se o tempo não tem para onde ir,
Por que diabos os segundos passam tão depressa?!
A cada minuto, um minuto a menos.
Um minuto a menos, um minuto a mais
O referencial é um elemento importante.
Sabe, eu gostaria de ver o tempo.
Comprá-lo, talvez.
Tirar fotos com o tempo,
Conhecê-lo pessoalmente
E quiçá pedir uns autógrafos.
Afinal, falamos tanto dele que ele deve existir.
Talvez more em alguma outra galáxia
Ou talvez no centro da Terra!
Mas com certeza ele é real,
Como a distância e a massa,
Como as moléculas de oxigênio,
E esse vaso de flores na minha frente.
Bem, posso procurá-lo no Google!
Ver se ele tem algum blog por aí,
Ou procurar sobre ele na Wikipedia
Já sei! Acho que vou segui-lo no Twitter!
Talvez ele tenha algo interessante a dizer.
Seguir os conselhos do tempo parece algo sábio.
Não é mesmo? :)

Meio-dia





Te olhar nos olhos
É mirar o Sol a pino
Num claro dia de Verão
E sem medo mergulhar
No íntimo do íntimo
Das profundezas do coração;
Do que outrora era Inverno
Do que já fôra Outono
Mas agora é Primavera:
Primavera branda
Sutil e delicada
Balancete ajustado entre
Perversa e recalcada;
Primavera sorridente
De pétalas macias
De folhas molhadas
E longos dias
Primavera sedosa
Quente e cheirosa
De campinas lindas
De tardes gostosas
Primavera perfeita
Capaz de trazer de volta a vida
Que por longa data
Restava
sumida.




6 de ago. de 2010

Um aporte sobre a Realidade

O que é "realidade"? Será que alguém é capaz de explicá-la?

Estudamos o mundo a nossa volta através da ciência: sabemos que matéria é feita de átomos, que - apesar do nome - são constituídos de partículas ainda menores (elétrons e quarks) e uma miríade de particulas subatômicas; e sabemos que calor, luz, ondas de rádio e TV são apenas percepções diferentes de uma mesma essência (as radiações eletromagnéticas). Estudamos tudo isso com bastante afinco, sob o rígido julgo do impávido Método Científico. É sua aplicação que nos diferencia das assim chamadas "pseudo-ciências" - estudos aparentemente sérios mas que não levam em consideração o rigor devido imposto pela metodologia da pesquisa científica, como a imparcialidade dos julgamentos, a amostragem aleatória e os testes cegos de hipóteses objetivas.

As radiações eletromagnéticas são caracterizadas por duas componentes: uma elétrica e uma magnética (daí o nome), e são identificadas por duas grandezas físicas - o comprimento de onda (a distância entre dois picos consecultivos) e a frequência (número de picos por segundo). A energia de uma radiação é diretamente proporcional à sua frequência e inversamente proporcional ao comprimento de onda. As radiações de maior frequência aparecem à direita na figura, e têm um comprimento de onda de dimensões atômicas. Por isso têm maior penetração na matéria e causam maior dano - são os raios gama. No outro lado do espectro aparecem as ondas de rádio, com comprimentos enormes, do tamanho de um prédio! No meio do caminho, em uma estreita faixa de comprimentos de onda, aparece a radiação visível - correspondente àquela radiação que é detectada pelas nossas células oculares e que percebemos como cores: as vermelhas têm frequência (e, portanto, energia) mais baixa e as violetas, mais alta. Logo acima do violeta, surgem as radiações ultravioleta, com maior energia; e abaixo da vermelha, as radiações infravermelhas.

A ciência já nos permitiu (e permite cada vez mais) avançarmos no entendimento do mundo ao nosso redor. Entretanto, será ela capaz de efetivamente dizer o que é esse mundo? Até alguns anos atrás, a linha que separava matéria e energia era bastante clara. Até que nomes como de Broglie e Einstein mostraram que, na verdade, matéria é também energia e vice-versa. A luz, um exímio exemplo de radiação, também pode ser tratada como feixes particulados, com seus fótons de diferentes quantidades de energia - como mostrou Planck lá atrás em 1800 e bolinhas. De Broglie veio provar que essa dualidade também vale para toda matéria no começo do século XX. E agora? Matéria e Energia não eram coisas diferentes?! Pobre Lorde Kelvin! Se ele soubesse a revolução que a "pequena nuvem no céu de brigadeiro" que representava o problema da radiação do corpo negro iria fazer no corpo das ciências, com certeza arrancaria suas barbas de desespero!

O ponto é simples: nós cientistas tentamos dividir e diferenciar o mundo a nossa volta em porções lógicas para conseguirmos estudá-lo apropriadamente. E não há nada de errado nisso. O problema é quando começamos a aceitar nossas divisões como realidade absoluta e suprema. Quando a Mecânica Quântica começou a ser postulada, muitos físicos agarravam-se à visão mecanicista de Newton com unhas e dentes. Tudo bem, não há nada de errado com a Mecânica Clássica: ela só não vale para algumas condições mais específicas, como os mundos moleculares e os de condições extremas, onde prevalecem os efeitos relativísticos. Fora isso, no "mundo médio", é perfeitamente plausível e justificável utilizá-la. Mas, veja, coisas similares acontecem até hoje! Muitos e muitos cientistas agarram-se tão ferrenhamente a ideais e modelos que perdem a chance de se maravilharem com incríveis descobertas e teorias! Precisamos ter em mente que teorias e modelos estão sujeitos a mudanças, e que o que nós sabemos hoje não corresponde exatamente às coisas como elas são, mas são sim conceitos que nós construímos para explicar o que é inexplicável.

Quem pode explicar a cor azul? Ou a sensação de calor? Ou o sabor do chá? Ou a beleza de uma melodia, de uma poesia? Ou o amor?

A ciência pode explicar porque uma cor é azul e como percebemos a cor azul. Pode explicar como as células oculares são impressionadas pela radiação de comprimento de onda entre 450 e 500 nm, emitida pelo decaimento de elétrons, outrora excitados por uma radiação externa, a orbitais de menor energia da molécula (ou íon) cromóforo presente no tal objeto azul. Pode explicar como as células transformam essa impressão em sinal elétrico e como esse sinal viaja quimicamente através de diversos neurotransmissores até o tálamo e a assim por diante no cérebro, até o processamento da imagem e a construção do modelo em nossas cabeças. Mas, mesmo assim, não pode explicar o que é "azul". Por quê?

Apesar de toda a objetividade da ciência, ela não pode nos dar certas respostas porque o mundo que nós experimentamos é subjetivo. Total e completamente subjetivo. O azul que eu enxergo não é o mesmo que você enxerga. Podemos estar no mesmo lugar, mas o mundo que eu ver não será o mesmo que o que você ver. Nossa percepção de mundo é construída no cérebro, e esse processo inclui tantas variáveis quanto puder imaginar nossa vã idéia de infinito. Uma ilha paradisíaca poderia ser o lugar mais feio do mundo se você estiver de mau humor; analogamente, uma tarde de rush na marginal Tietê pode ser o melhor lugar do mundo pra se estar, dependendo das suas condições emocionais. O mundo, esse que nós experimentamos todos os dias, não é mais do que um produto de nossas cabeças. A cor dos seus olhos, o sabor do seu chá preferido, o pôr do sol; nada disso é igual pra duas outras pessoas no mundo.

Nesse contexto, falar em "realidade" parece algo duvidoso. Será que existe alguma realidade independente do nosso subjetivismo? E, mais importante: se existir, será que estaria a nosso acesso? O Método Científico busca justamente eliminar essa parcialidade da visão subjetiva dos estudos, mas não é em todas as áreas que isso sempre é possível. Até hoje não conseguimos, por exemplo, compreender o que é a mente e a consciência, e como isso está relacionado ao construto físico do cérebro. Estudar a consciência de forma objetiva é algo talvez impossível, por isso é tão difícil obter informações cientificamente adequadas sobre esse assunto. O que são os sonhos? Como eles se formam? E as emoções, os desejos, os pensamentos?! Difícil, não é? Por enquanto, essas respostas pertencem ao reino da metafísica (i.e. "além" da física, no sentido de não serem acessíveis por métodos físicos), parte do domínio da grande ciência do conhecimento, a Filosofia.

O filósofo indiano Nagarjuna (que viveu em algum momento entre os séculos II e III) propunha que toda a realidade era, na verdade, vazia. É a teoria do Sunyata, ainda hoje presente em várias escolas do pensamento oriental. Quando Nagarjuna diz que os fenômenos são vazios, ele não está sendo nihilista: a vacuidade de Nagarjuna é na verdade um vazio que contém tudo. (Oi? Não, eu não bebi hoje.) O vazio representa algo que é impermanente e não-conceituável. Nessas linhas, pode-se aproximá-lo à noção taoísta de Tao. A realidade seria, portanto, algo não-conceituável e impermanente, passível de quaisquer diferentes formas de compreensão e percepção. Fazendo uma analogia com a física, é como se a realidade fosse um gás: não conseguimos conceber sua forma até que esteja encerrado em um recipiente definido, como um botijão ou uma caixa. O gás pode ser moldado em quaisquer formas e volumes que desejarmos, dependendo unicamente de nossa ação. Assim é a realidade proposta na vacuidade: ela pode ser moldada em quaisquer interpretação que quisermos, dependendo unicamente de nossa percepção - porque não tem uma "forma" fixa, imutável e permanente. Perceba que não é uma idéia nihilista. Não é um vazio absoluto que nada contém, e sim um vazio que contém absolutamente tudo. Outro dia postei aqui uma interpretação do Sutra do Coração (Hannya Shingyo), que discorre exatamente sobre essa vacuidade de Nagarjuna, e dá uma luz nas implicações que esse pensamento pode trazer à vida cotidiana.

Representação artística do sunyata ("vazio"), conceito filosófico proposto por escolas de pensamento indianas e bastante difundido por Nagarjuna. É um dos conceitos centrais da filosofia budista, tema central dos ensinamentos do buda no que concerne à interpretação dos fenômenos. Essa simbologia é particularmente presente na tradição das escolas do budismo Zen, cuja prática central (o zazen) é baseada na experimentação direta desse conceito através da análise subjetiva não-interagente dos fenômenos (shikantaza zazen), ou de análises subjetivas motivadas (meditações).

Bem, essa é apenas uma das diversas filosofias que tentam explicar o que é a realidade. Existem várias teorias por aí, e aceitá-las ou não é uma questão completamente subjetiva - assim como as teorias em si. Compreendê-las é um verdadeiro exercício mental, e apenas usando o cérebro (ou seja, fazendo experimentos subjetivos) é que se é capaz de julgar a plausibilidade dessas teorias.

Até então a Filosofia é a única ferramenta que pode nos sugerir respostas sobre se há e o que é "A Realidade". Analise as opções e escolha o que te faz mais sentido. Quem sabe um dia nossa ciência física não chega a respostas mais concretas, não é?

Até lá, vamos vivendo e aproveitando nossos mundinhos subjetivos. :)

3 de ago. de 2010

Giramundo





O mundo gira sem parar
Amores vêm, amores vão;
Sonhos aparecem e desaparecem.
Flores se abrem e se fecham,
Pessoas nascem e morrem
Lágrimas rolam e sorrisos eclodem.
Mas o mundo não para.
Nem um segundo.
Nem no seu dia mais feliz
Nem no mais triste
Por mais que se deseje.
Ele é irredutível
Impassível, incontível
Imbatível e resoluto.
Incontrolável.
Imparável.
Gira, mundo, gira.




1 de ago. de 2010

A Essência da Sabedoria Perfeita (Hannya Shingyo, 般若心經) Revisited

Releitura dos versos da Grande Sabedoria Perfeita, texto tradicional da escola Zen (assim como das demais escolas Mahayana). Não se sabe ao certo sua origem, mas o registro mais antigo remonta à China do segundo século d.C.

O texto é construído na forma de uma preleção, uma instrução de um professor a um aluno dedicado; simbolizados por dois arquétipos comuns nos cânones budistas: o boddhisattva Avalokitesvara (Kannon) - símbolo de compaixão infinita - e Shariputra (Sharishi), um discípulo de bons méritos.

Para interpretações e leituras mais tradicionais, Google it ("Sutra do Coração").

Esse texto (ou sutra) retrata a essência de tudo que é ensinado e praticado em todas as escolas budistas. Entendê-lo é como juntar pequenas pecinhas de um quebra-cabeças além do intelecto, que requer tempo e, acima de tudo, prática. Entendê-lo intelectualmente é como buscar entender o sabor de um chá por conhecer a química das ervas. Deve-se bebê-lo, sorver cada gole, sentir cada célula ser permeada, impressionada e tocada pela experiência direta de cada microlitro.

:)

~

Versos da Essência da Grande Sabedoria Perfeita
(maha prajna paramitta hridaya sutra)
Releitura da versão japonesa (摩訶般若波囉弭多心經) da tradição Zen

Aquele que ouve todos os sons do mundo toca profundamente a sabedoria perfeita,
E assim vê claramente que os cinco agregados são vazios e liberta-se de todo sofrimento.

"Ouça, filho de bons méritos: forma não distingue-se de vazio, e o vazio não distingue-se da forma;
A matéria é também vazia; e o vazio é também matéria.
O mesmo é válido para as sensações, percepções, impulsos e a consciência.

Filho de bons méritos, a natureza última de todos os fenômenos é vazia:
Não aparece e nem desaparece, não é impura e nem pura, não aumenta nem diminui

Assim, no vazio, não há matéria, nem sentimentos, percepções, impulsos ou consciência;
Não há olhos, ouvidos, língua, corpo nem mente;
Não há cor, som, odor, sabor ou toque; e nem pensamentos.
Não existem os sentidos dos olhos, ouvidos, língua, corpo, nem da mente consciente.

Não há ignorância e nem extinção desta
E assim por diante até envelhecimento e morte e nem extinção destes.
Não há sofrimento, nem origem deste;
Não há extinção deste, nem caminho para tal;
Não há sabedoria e nem ganhos, pois não há nada a ganhar.

Assim o sábio vive a perfeita sabedoria
E não há obstáculos em sua mente. Sem nenhum obstáculo, não há medo.
Eliminada a visão obscurecida, chega-se à outra margem.

Todos os grandes sábios do passado, presente e futuro praticam a sabedoria perfeita, e atingem o entendimento mais completo de todos.

Portanto, saiba que a sabedoria perfeita
É a grande expressão transcendente
A grande expressão iluminada
A mais perfeita expressão
A expressão suprema
Capaz de libertar de todo sofrimento
E é verdadeira, não falsa.
Então proclame a expressão da Sabedoria Perfeita
Viva essa expressão.
Vá, siga em frente! Continue em frente! Siga ainda mais adiante: 
Isso é iluminação."

~

31 de jul. de 2010

27 de jul. de 2010

The Beauty and the Beast

How can it be such a striking beauty?
With diamond eyes
That cut all the way through this uglyness
to the very heart of me.
What could I do,
But to fall for you
With all this miserable heart
Of this very dumb and empty self?
Absolutely nothing.

20 de jul. de 2010

O Sabor da Primavera (春味)






Ah, o sabor da Primavera!
Em pleno inverno gelado
Um calor no peito
Um sorriso demorado

O sabor da Primavera,
O primeiro gole de osake só para acostumar
A laranja-pitanga, o chá preto-verde
A ameixa alcoólica perdida no meio do mar

E de repente todas as flores
Parecem exalar seus sabores em profusão
E abrirem-se completamente em exultação

O sabor da Primavera.
Ah, o sabor da Primavera!
愛している. >3





18 de jul. de 2010

Um botão no tempo


As flores nascem em todo seu esplendor
Os botões florescem em todo seu esplendor
Depois murcham e morrem, em todo seu esplendor

~

Uma flor nasce e murcha. À semelhança disso, também o homem, as estrelas e mesmo o Universo - que tanto nos parece eterno - um dia morrerá. E, no meio desse tempo sem tempo, a vida humana é como um breve instante, um piscar de olhos ou um estalo dos dedos. Nesse lapso da eternidade, um ser humano ri, chora, ama alguém, odeia alguém, adoece, e morre.



Não desperdice tempo.

Ai!

Você, menina,
Que tem meu coração nas mãos:
Cuidado com as unhas afiadas!






15 de jul. de 2010

Mu!







Circunvendo as curvas da vida
Contornando as formas vazias
O que se encontra ali dentro?

O suspiro efêmero do agora
É o único remanescente
Do silencioso vento tempestuoso
Da insustável impermanência










13 de jul. de 2010

O portal sem portais

"Na primavera, centenas de flores;
no outono, uma lua cheia;
No verão, uma brisa refrescante;
no inverno, a neve lhe acompanhará.
Se coisas inúteis não lhe ocuparem a mente,
Qualquer estação será uma boa estação."

Esse poema foi escrito por Wumen Huikai (無門慧開), mestre zen chinês que viveu entre 1183 e 1260. Ele foi o responsável pela compilação de 48 koans (casos públicos) clássicos, publicados em sua obra "O Portal sem Portais" (The Gateless Gate, Mumonkan, 無門関). Nesse livro, todos os 48 koans são comentados e acompanhados por um verso escrito pelo mestre. Esse poema acompanha o koan intitulado "O dia-a-dia é o caminho," (caso 19) que retrata a iluminação de Joshu (Zhaozhou, monge chinês do século VII).

O verso fala mais alto que o próprio koan. Huikai resume em poucos versos toda a essência da prática, do caminho. Compreender esses poucos versos vale mais do que o livro inteiro.

:)

11 de jul. de 2010

Floco de Neve

Sete e meia da noite. A luz começava a desaparecer e o céu assumia tons variados de azul enegrecido. Como era inverno, a temperatura ia caindo aos poucos com a descida do Sol, e já se aproximava dos 5 °C. Na montanhosa região de Wudang (em Hubei, China), onde se encontra o Templo da Nuvem Roxa, o clima não é muito agradável: as correntes eólicas que passam por lá, somados à névoa característica da região elevada e à própria altitude parecem mais um obstáculo a ser vencido por aqueles que anseiam ser verdadeiros guerreiros. Muitos morreram ali. Morreram de frio, de fome; morreram lutando, com espadas cruzando seus peitos ou machados decepando seus membros. Muitos morreram envenenados, vítimas da inveja de guerreiros derrotados, ou vítimas de conflitos entre clãs rivais. Syaoran sabia de tudo isso. Ele sabia desde o começo o que lhe esperava quando decidiu aperfeiçoar sua magia e sua habilidade marcial indo ao Templo da Nuvem Roxa.

A sessão de meditação sentada acabara de terminar, após uma longa e exaustiva série de exercícios de fortalecimento do qi: se ele queria ser um guerreiro com maestria na magia, teria que trabalhar bastante seu qi e sua mente.

Em seus aposentos, o rapaz chinês – na casa dos vinte e tantos anos – se deixa jogar no velho colchão de palha de arroz duro e surrado. Olha para o teto e para as paredes de pedra, que lá estão desde 1413. Observa alguns talhos e buracos nas paredes, alguns ideogramas antigos que ele desiste de compreender, após algum esforço inicial. Provavelmente são heranças de guerreiros que passaram por ali ao longo desses seis séculos. Fica imaginando que tipo de homens já passaram por ali: quantos haviam abandonado famílias para perseguir seus objetivos? E se lembrou daqueles doces olhos verdes e sorriu. Sorriu um sorriso nostálgico, daqueles que vêm acompanhados por um olhar distante e mareado. Levantou-se e debruçou-se na janela. Podia ver a beleza dos olhos de Sakura quando observava, à meia luz do pôr-do-sol, o verde escurecido das florestas que cresciam nos pés das montanhas. O som calmo e pacífico da natureza e o tom esverdeado faziam a combinação perfeita que traziam as melhores lembranças de sua infância à tona. Ele se deixou ficar ali até a escuridão tomar a paisagem e os sinos do templo anunciarem a hora de dormir. Após um longo suspiro, que se liquefizera em uma névoa - já que a temperatura caíra consideravelmente - e um sorriso delicado, Syaoran deitou-se e adormeceu balbuciando sorrindo "Eu te amo. Para sempre."

O inverno era realmente detestável por ali. A neve já começava a cair novamente. Neve. Um floco de neve aderira-se ao vidro da janela. Sakura chegou mais perto do vidro para observá-lo: um floco de neve sempre tem formatos bem peculiares e interessantes. Dizem que o formato do floco é capaz de refletir as emoções de quem o carrega. Ao chegar mais perto para vê-lo, o vidro se embaçou com sua respiração quente. "Mas que droga! Eu nunca aprendo!", resmungou a garota para si mesma. Ela abriu a janela e deixou o ar frio entrar (o que lhe rendeu uns bons calafrios). Respirou profundamente e olhou para longe. A paisagem ainda era a mesma de alguns anos atrás: uma rua pacata, uma cidade pouco movimentada. Tomoeda não mudara tanto nos últimos 10 anos. Sua casa continuava a mesma; com exceção do seu quarto que havia mudado um pouco, afinal não havia mais porque ter aquele monte de brinquedo espalhado: ela já era uma mulher; e sua cama também havia de mudar, já que ela cresceu um bocado.

Sakura ficou alguns instantes de olhos fechados sentindo a brisa gelada que vinha do oeste. Ela adorava essa brisa. Parecia carregar um odor de hortelã, que sempre a lembrava do rapaz que tomou seu coração na adolescência. Apesar da expressão normalmente fechada, havia algo nos olhos castanho-avermelhados do rapaz que a atraíram. Ela gostava de quando ele lhe escrevia ideogramas complicados e lhe explicava em detalhes cada pedacinho, e ficava fascinada com a facilidade que o garoto tinha de lembrar as mais variadas e interessantes histórias da China. As habilidades que ele tinha com a espada, seu sotaque japonês arrastado, o modo como ele detestava que o corrigissem e o sorriso vitorioso que ele tinha quando ganhava alguma aposta dela. No momento daquele sorriso, ela esquecia de toda raiva que sentia por perder e seu coração sentia um calorzinho diferente. Gostava de bagunçar seu cabelo metodicamente arrumado, só para vê-lo resmungar e perder o controle: ele ficava bem charmoso quando perdia a linha. E ela adorava os abraços que ele lhe dava para protegê-la de noites frias, como essa. Ou dos beijos que ele vinha correndo a noite lhe dar antes de dormir, com aquele gosto de hortelã de sua pasta de dentes caseira.

Ela respirou mais um vez, bem fundo, pela boca, e sentiu o ar gelado preenchendo sua via respiratória, e sentiu o cheiro e o sabor adocicado e refrescante da hortelã. Sorriu uma vez mais, enquanto seus olhos mareavam. Fechou a vidraça, e deitou-se sorrindo na cama. Cobriu-se e se aconchegou sob o edredon pesado. Lembrou-se de que toda noite, depois que ela deitava e se cobria, Syaoran batia novamente na janela, e sussurrava algo por entre a frestinha que restava entreaberta. E ela sempre respondia. Abriu então um sorriso largo, abraçou um velho ursinho que ele havia lhe dado e sussurrou: "Eu também. Para sempre."

--
(Janeiro, 2010)

10 de jul. de 2010

Tocando o Coração (摂心)

Selam-se os portões da mente.
Deste momento em diante, apenas o silêncio.
Apenas o silêncio é o caminho.
O silêncio do vento, das folhas farfalhando
O silêncio das crianças jogando bola da quadra do vizinho
O silêncio do louvor evangélico declamado com ardor
O silêncio do rádio fora de sintonia narrando o jogo do mundial
O silêncio da pressa urbana da cidade que não pára.

Apenas o silêncio.

5 de jul. de 2010

O ladrão da cabana

Ryokan, um mestre Zen, vivia a mais simples e frugal das vidas em uma pequena cabana aos pés de uma montanha. Uma noite, um ladrão entrou em sua cabana apenas para descobrir que nada havia para ser roubado.

Ao retornar, Ryokan o surpreendeu lá.

"Você fez uma longa viagem para me visitar," ele disse ao gatuno, "e não deveria retornar de mãos vazias. Por favor tome minhas roupas como um presente."

O ladrão ficou perplexo. Rindo, ele tomou as roupas e esgueirou-se para fora.

Ryokan sentou-se nu, olhando a lua.
"Pobre coitado," ele murmurou. "Gostaria de poder dar-lhe esta bela lua."

--
(In: Hansen, L. Fishing for the Moon and Other Zen Stories. Universe Publishing, 2003.)

4 de jul. de 2010

Zen zentido

Nuvens de tempestade cobrem o céu noturno.
Mestre! As estrelas desapareceram!
Quem roubou a Lua cheia?







3 de jul. de 2010

¡Jamás!

¡Yo no pienso más en ti!
Pero sigues aún en mis recuerdos
Mis memórias las más oscuras
Llenas de falsos sonrisos y amarguras

No, yo no pienso más en ti,
Excepto en aquellos pocos momentos
En que el aire me toca con tu perfume
Y el dulce olor de súbito me consume

Sin embargo, no! No pienso en ti.
¡Jamás! Never! Non ci penso mai!
Pero admito: me permito, a veces, de ti me acordar
Pocas veces, todavia. Solo cuando me pongo a respirar.


A viagem

As rodas girando
E os quilômetros passando
Para onde, mesmo?







16 de jun. de 2010

Cru

Bebo versos discretos

como uma puta comportada

mas quais versos são discretos?

E que puta se comporta

e como o que?

Sou a puta do verso

em verbo cru, verbo curra

dou por prazer

sou uma puta burra.


₢ Dirceu W. Ramos

Conectados

Nós na internet:
Não me delete
ou não te plugo.

₢ 2001 Dirceu W. Ramos

12 de jun. de 2010

Sudáfrica



Milhões festejam
O gol no estádio milionário
Uma criança chora






Não me abandone

Não me abandone
Esqueça o que passou
Tudo que já ficou pra trás
Pode ser esquecido
Podemos esquecer
Dos mal-entendidos
E todo o tempo perdido
Em tentar saber como
Esquecer dos momentos
Que por várias vezes matam,
A golpes de "por quês,"
O coração da felicidade
Não me abandone
Não me abandone
Não me abandone
Não me abandone...

Eu-eu te oferecerei
Pérolas de chuva
Vindas de países
Em que não chove mais;
Escavarei a terra
Até depois da minha morte
Só para cobrir teu corpo
De ouro e brilhantes
Eu erguerei um reino
Onde o amor será o rei
Onde o amor será a lei
E você será a rainha
Não me abandone
Não me abandone
Não me abandone
Não me abandone...

Não me abandone
E eu te inventarei
As palavras mais loucas
Que só você vai entender
Eu te falarei daqueles amantes
Que viram uma segunda vez
Seus corações embrasarem-se
E te contarei
A história daquele rei
Que morreu por nunca
Conseguir te encontrar
Não me abandone
Não me abandone
Não me abandone
Não me abandone...

Quantas vezes já vimos
Reacender o fogo
De vulcões antigos
Que achávamos que eram velhos demais
E há quem conte
De terras queimadas
Que produzem mais trigo
Que a melhor das primaveras
E quando chega a noite
Para que o céu se inflame
O vermelho e o preto
Não se misturam?
Não me abandone
Não me abandone
Não me abandone
Não me abandone...

Não me abandone
Eu não vou mais chorar
Não vou mais falar
Ficarei ali calado
A te observar
Dançar e sorrir
E a te escutar
Cantar e gargalhar
Deixe-me tornar
A sombra da tua sombra
A sombra da tua mão
A sombra do teu cão
Não me abandone
Não me abandone
Não me abandone
Não me abandone...

(Jacques Brel)


11 de jun. de 2010

L'Amore



L'Amore
È bello così
Lontano
Distratto
Muto
Disegnato
Impensato
Sognato
Immaginato
Fitizzio
Astratto
Semplice
Infondato
Senza rumore
Passionato
Senza parole
Cantato in silenzio
Senza fiato
Ballato nell'aria
Senza respiro
Macchiato per el sacro

L'Amore
È bello così
Oppure, sarà soltanto
Un'altra parola digesta
Rigettata per bocche sporche
Come tavola di primo ordine

8 de jun. de 2010

C.J. 1 Parte 1: O plano Geral


Capítulo 1 - POR FORA.

“Maldita máquina” Gritou Steve Coulanges pela quinta vez consecutiva no dia. A tal maldita máquina não lhe deu resposta – evidentemente. Era a milésima vez que tentava fazer a máquina – cruelmente tratada e difamada – funcionar.

O mini-robô-passa-roupas (MRPR – modelo X300) – comprado pelo mesmo motivo que os outros objetos tecnologicamente novos de Steve, ou seja, para enquadrar Coulanges na “Cidade” – não tinha culpa.

“Dessa vez eu consigo”disse Coulanges como dissera incontáveis vezes “Não tem como dar errado”reforçou o pensamento – tentando convencer a si mesmo que conseguiria o que de fato jamais conseguiu.

Já na primeira semana: “maldita máquina”disse Steve quando o MRPR X300 queimou uma de suas camisas preferidas. “De novo?”questionou Steve ao ser eletrônico sem mente quando este queimou uma segunda camisa.

Na segunda semana, já cansado da máquina, dava tapas e pontapés, transtornando-se cada vez mais com sua incapacidade. Desta vez estava atrasado para o trabalho – pois teve de ficar passando sua camisa em lugar do MRPR X300.

Já fora de casa – um buraco simples no setor leste subterrâneo da “Cidade” – ele se dirige a um dos “caminhos de raios” próximos, no sentido “TPQDP II”, próximo ao seu local de trabalho: A “Grande Biblioteca” – que nada mais era do que um micro prédio de 90m de altura ao lado do Dikasterion Central – prédio judicial central da cidade (um edifício de míseros 230m de altura).

De toda a cidade, apenas o setor leste mantinha aquilo que se convencionou chamar subterrâneo. Todos os outros setores mantinham um diferencial de pelo menos 100m de altura em relação a ele. Fato muito aceito, apesar de negado pelas altas instâncias do governo, é o de que, de todos os setores, os que mais destacavam eram os mais altos em relação ao Leste (o que é paradoxal e levanta a questão de qual é o mais importante ou visado, mas isso sempre foi pouco pensado pelos cidadãos – mesmo nos tempos antigos, na era de metal).

Por culpa dessa variação de altitude na “Cidade”, o melhor meio de transporte surgido foi o Caminho de Raios. Era uma linha metálica desenhada por toda a cidade, com muitas curvas e desníveis, às vezes por baixo, às vezes por cima, por onde uma trilha de raios se deslocava e, deslocando-se, permitiam a movimentação de dezenas de carros unitários com vários destinos diferentes, acionados por um toque do “PHANTOM” de cada um – e é claro, Steve Coulanges não tinha um...

6 de jun. de 2010

Astronauta

Será que é preciso ser novo para sonhar?
Porque o menino passa suas tardes solitárias
Sonhando ser aquele super-herói de capa vermelha
Que derrota seu inimigo-estante gigante e maligno
E a menina, que vive na espera de seu príncipe encantado
Dono de um reino distante de flores de chocolate
E cachorros cor-de-rosa cintilante

As crianças crescem e conhecem a realidade
Ou será que a desconhecem?
Ou será que a reconhecem?
Os sonhos são deixados para trás quando se cresce
Desaparece a imagem poética do herói idealizado
E surge o ator americano drogado e preso por espancar a esposa
Desaparece a esperança do príncipe medieval e do reino mágico
Para surgir o namorado bombado e barzinhos badalados

O astronauta vira um operador de telemarketing
A nave interestelar, um Volkswagen usado pago em 60 vezes
A viagem à Lua dá lugar a horas de trânsito na Imigrantes
O grande império intergaláctico vira um cômodo-cozinha no Centro
E o tesouro imperial se resume a um Pentium III e uma geladeira Brastemp
(Laboriosamente pagos no carnê das Casas Bahia)

A vida morre a cada segundo
E os sonhos a acompanham em cada desilusão

Mas após juntar uma graninha, compra-se um PlayStation
E o operador de telemarketing pode ser um astronauta
Pode viajar à Lua e dominar o grande império intergaláctico
Pode conquistar a princesa mais linda do Universo
E se tornar o maior imperador de todos os tempos
À noite, em seu sonho, o grande imperador reúne todos os seus súditos
E começa seu longo e pomposo discurso:
"Bom dia! Hoje vou estar oferecendo aos senhores
Uma incrível promoção imperdível pela qual os senhores vão estar pagando
apenas uma quantia simbólica a ser debitada em seus cartões de crédito..."

4 de jun. de 2010

Todo menino

Todo menino é um Deus descalço
chutando a lata do tempo
crescendo quase fora do passo
todo menino é invento.

Criatura que cria o sonho
cada qual uma mola
todos prontos em seus cantos
a vida escolhe a historia.

Salve todos guerreiros
do templo Terra,
resumindo o universo num guardanapo
abrindo pálpebras, ventres e guelras,
que tapam a alma com esparadrapo
expelem escombros de paz e guerra,
constróem amor juntando cacos.

Todo silencio é nuvem de gesso
no céu da boca da dor
não escolhemos cruz nem peso
nem onde bate a luz na flor.

Temos quase nada pra sorrir
não custa muito ensaiar
todo menino é uma pedra menir
todo menino é um czar.

Dirceu W. Ramos

1,000 kisses deep




You came to me
this morning,
and you handed me like meat
(You'd have to be a man to know good that feels,
how sweet)

My mirror twin, my next of kin
I'd know you in my sleep
And who but you would take me in
A thousand kisses deep

I loved you when you opened
Like a lily to the heat
You see, I'm just another snowman
Standing in the rain and sleet
Who loved you with his frozen love
And second-hand physique
With all he is, and all he was
A thousand kisses deep

I know you had to lie to me,
I know you had to cheat:
To pose all hot and high
Behind the veils of sheer deceit

Our perfect porn aristocrat,
So elegant and cheap
(I'm old but I’m still into that
A thousand kisses deep)

I'm good at love; I'm good at hate:
It's in between I freeze
I've been working out, but it's too late
(It's been too late for years)

But you look good, you really do
They love you on the street
If you were here, I'd kneel for you
A thousand kisses deep

The autumn moved across your skin
Got something in my eye
A light that doesn't need to live
And doesn't need to die

A riddle in the book of love
Obscure and obsolete
And witnessed here in time and blood
A thousand kisses deep

But I'm still working with the wine
Still dancing cheek to cheek
The band is playing Auld Lang Syne
But the heart will not retreat

I ran with Diz, I sang with Ray
I never had their sweet
But once or twice they let me play
A thousand kisses deep

I loved you when you opened
Like a lily to the heat
You see, I'm just another snowman
Standing in the rain and sleet
Who loved you with his frozen love
His second-hand physique
With all he is and all he was
A thousand kisses deep

But you don't need to hear me now,
And every word I speak
It counts against me anyhow
A thousand kisses deep...

(Leonard Cohen)


--
Debaixo de Milhares de Beijos

Você veio até mim de manhã
E me manipulou como se fosse carne
(Ah, você teria que ser um homem para saber
o quanto isso é bom)

Meu eu, minha companheira
Eu te conheceria no meu sono
E quem, senão você, iria me levar tão longe
Debaixo de milhares de beijos

Eu te amava quando você se abria
Como um lírio ao calor
Veja, sou apenas mais um boneco de neve
Deixado no meio das chuvas e nevascas
Que te amou com seu amor congelado,
Seu físico de segunda linha
Com tudo que ele é e tudo que já foi
Debaixo de milhares de beijos

Eu sei que você precisava mentir para mim
Eu sei que você precisava trair
Se portar toda elegante e atraente
Por trás dos véus da fina mentira

Nossa aristocracia pornô perfeita
Tão elegante e barata
Eu estou velho, mas ainda gosto daquilo
Debaixo de milhares de beijos

Eu sou bom em amar, sou bom em odiar:
É entre os dois que eu me perco.
Tenho trabalhado nisso, mas já é tarde demais
(Já tem sido tarde demais há anos)

Mas você está linda, de verdade.
Eles te amam nas ruas
Se você estivesse aqui, eu me ajoelharia aos seus pés
Debaixo de milhares de beijos

O outono passou pela sua pele
Havia algo nos meus olhos
Uma luz que não precisa viver
E não precisa morrer

Uma charada no livro do amor
Obscura e obsoleta
E testemunhada aqui, com tempo e sangue,
Debaixo de milhares de beijos

Mas eu ainda aproveito um bom vinho
Ainda danço de rosto colado
A banda está tocando Auld Lang Syne
Mas meu coração não irá se retirar

Eu corri com Diz, cantei com Ray
Nunca tive a doçura deles,
Mas vez ou outra eles me deixavam tocar
"A thousand kisses deep"

Eu te amava quando você se abria
Como um lírio ao calor
Veja, sou apenas mais um boneco de neve
Deixado no meio das chuvas e nevascas
Que te amou com seu amor congelado
Seu físico de segunda linha
Com tudo que ele é e tudo que já foi
Debaixo de milhares de beijos

Mas você não precisa me ouvir agora
E cada palavra que eu falo
Conta contra mim, de alguma forma
Debaixo de milhares de beijos.