3 de mar. de 2013

Call me by my true names


Hoje, enquanto fazia uma das atividades mais contemplativas do mundo (lavar louça), ouvi um poema do mestre vietnamita Thich Nhat Hanh no podcast do Insight Meditation Center que me chamou bastante a atenção. É um poema escrito nos anos 80, época em que os problemas da fome e das guerrilhas na África conquistavam a mídia. Nas palavras do autor, "esse é um poema sobre três de nós. A primeira pessoa é uma garota de doze anos: um dos refugiados cruzando o Golfo de Sião em um pequeno barco que, após ser estuprada por um pirata, atirou-se ao mar. A segunda é o pirata, nascido em uma vila remota na Tailândia. E a terceira pessoa sou eu. Eu estava muito irritado, claro, mas não podia simplesmente tomar partido contra o pirata: se eu pudesse, teria sido mais fácil, mas não pude. Eu percebi que, se eu tivesse nascido em seu vilarejo e experimentado uma vida similar à dele - em termos econômicos, educacionais, etc. - seria bastante provável que eu também tivesse me tornado um pirata. Portanto, não é fácil escolher um lado. Do sofrimento, escrevi esse poema. Se chama 'me chame pelos meus nomes verdadeiros,' porque eu tenho muitos nomes e, quando me chamam por um deles, devo simplesmente dizer 'sim.'" 


Não digas que partirei amanhã:
mesmo hoje ainda estou chegando.
Olhe bem: a cada segundo estou chegando
para ser um botão num galho de primavera;
para ser um pequeno pássaro, com suas asas ainda frágeis,
aprendendo a cantar em meu novo ninho;
uma lagarta no coração de uma flor;
e uma jóia oculta numa rocha.
Eu ainda chego, para rir e para chorar;
para ter medo, e para ter esperança.
O ritmo do meu coração é o nascimento e a morte
de tudo o que vive.
Sou a libélula, metamorfoseando
sobre espelho d'água do rio.
Sou o pássaro,
que mergulha para engolí-la.
Sou o sapo nadando alegremente
nas águas límpidas de uma lagoa.
Sou a cobra-d'água,
que silenciosamente se alimenta dele.
Sou a criança da Uganda - pele e ossos;
minhas pernas, finas como varas de bambu.
Sou o mercador de armas,
vendendo a morte para a Uganda.
Sou a menina de doze anos,
refugiada em um pequeno barco,
que se joga no oceano
após ser estuprada por um pirata.
E sou o pirata:
meu coração ainda incapaz
de enxergar e amar.
Sou um membro do politburo,
com as mãos cheias de poder.
E sou o homem simples que deve pagar
seu "débito de sangue" ao seu povo,
morrendo lentamente em um campo de trabalho forçado.
Minha alegria é como a primavera: tão quente
que faz flores brotarem por toda a Terra.
Minha dor, como um rio de lágrimas
tão vasto que preenche todos os quatro oceanos.
Por favor, me chame pelos meus nomes verdadeiros,
para que eu possa ouvir todos meus gritos e gargalhadas de uma só vez;
para que eu possa perceber que minha alegria e minha dor são uma coisa só.
Por favor, me chame pelos meus nomes verdadeiros,
para que eu possa acordar,
e que a porta do meu coração
possa permanecer aberta;
a porta da compaixão.

(Thich Nhat Hanh)
--


Don't say that I will depart tomorrow --
even today I am still arriving.

Look deeply: every second I am arriving
to be a bud on a Spring branch,
to be a tiny bird, with still-fragile wings,
learning to sing in my new nest,
to be a caterpillar in the heart of a flower,
to be a jewel hiding itself in a stone.

I still arrive, in order to laugh and to cry,
to fear and to hope.

The rhythm of my heart is the birth and death
of all that is alive.

I am the mayfly metamorphosing
on the surface of the river.
And I am the bird
that swoops down to swallow the mayfly.

I am the frog swimming happily
in the clear water of a pond.
And I am the grass-snake
that silently feeds itself on the frog.

I am the child in Uganda, all skin and bones,
my legs as thin as bamboo sticks.
And I am the arms merchant,
selling deadly weapons to Uganda.

I am the twelve-year-old girl,
refugee on a small boat,
who throws herself into the ocean
after being raped by a sea pirate.
And I am the pirate,
my heart not yet capable
of seeing and loving.

I am a member of the politburo,
with plenty of power in my hands.
And I am the man who has to pay
his "debt of blood" to my people
dying slowly in a forced-labor camp.

My joy is like Spring, so warm
it makes flowers bloom all over the Earth.
My pain is like a river of tears,
so vast it fills the four oceans.

Please call me by my true names,
so I can hear all my cries and my laughter at once,
so I can see that my joy and pain are one.

Please call me by my true names,
so I can wake up,
and so the door of my heart
can be left open,
the door of compassion.



--
(Fonte: http://www.allspirit.com/names.html)

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