11 de nov. de 2013

Dançando

(Folhagem de Outono. Korea University, Seoul, Novembro 2012.)

--

E chegou mais um Outono aqui no hemisfério norte. As árvores vão aos poucos perdendo suas folhas e "morrendo", para renascer novamente na próxima primavera. Há mais anos do que possa imaginar nossa limitada percepção, a Vida começou (ou recomeçou?) seu baile sem fim. Como as árvores, que começam a primavera numa profusão de cores e energia, assim - diz-se - começou o grande Universo: em uma explosão intensa, que deu origem a absolutamente tudo que conhecemos. No princípio, havia apenas energia que, em tempos infinitesimais, foi morfando-se em massa: quarks, léptons, bósons, múons, glúons e outras partículas sub-atômicas. Essas, por sua vez, uniram-se formando prótons e nêutrons que, ao juntarem-se com os elétrons, formaram os cento e tantos tipos diferentes de átomos que compõem desde o núcleo das estrelas até a meleca grudada no seu nariz e os componentes da tela do seu dispositivo favorito.

Os mais entusiastas dizem que somos "poeira das estrelas" - o que, aliás, virou um dos bordões favoritos dos cientistas e humanistas ao redor do mundo - mas, na verdade, somos muito, mas muito mais que isso. Há milhares de anos, as grandes tradições espirituais que surgiam na Índia versavam sobre renascimentos e a universalidade do mundo: diziam que somos todos parte de uma coisa só, e que renascíamos continuamente, morte após a morte; visão que sobrevive nas tradições derivadas das antigas filosofias hindus (Hinduísmo, Jainismo e Budismo). Já no Ocidente, contudo, prevaleceu a visão egípcia de que "algo" sobrevive à morte, e passa para um outro plano de existência, onde irá experimentar ou as glórias de um Paraíso, ou os martírios de um Inferno. Para sempre. Embora a ideia de renascimento existisse no Judaísmo, ela se perdeu no Cristianismo e no Islã (ainda que hajam grupos minoritários que vivam essa filosofia), talvez pela influência da religião greco-romana, que evoluiu visão similar à dos egípcios. De qualquer forma, independentemente da corrente ideológica, o que quer que se passe após a morte são meras suposições. Certo?

Observar a Natureza é a missão da Ciência: se sabemos prever um eclipse, é porque soubemos analisar - pacientemente - o movimento dos astros, compreender a relação entre eles e identificar padrões. Da mesma forma, a observação do comportamento dos materiais e das interações destes levou ao desenvolvimento da Física e da Química que, ultimamente, tornou possível a eletricidade e nossa era digital. Não fosse pelas cautelosas investigações de homens e mulheres dedicados à compreender o Universo, nada disso existiria hoje em dia. A ciência nos ensina que, se queremos descobrir algo, devemos observar contínua e imparcialmente a Natureza. Assim conseguimos explicar como que, de estrelas, viramos homens. Sabemos, portanto, explicar o passado. Sabemos como surge o corpo humano, sabemos como ele adquire consciência, por que não poderíamos explicar o que acontece depois?

Morremos a cada instante. Nossas células param de funcionar e morrem (ou seja, não conseguem mais manter-se e interagir com as vizinhanças). Isso acontece na pele, nos músculos, nos órgãos e, claro, no cérebro. Mas o que acontece com essas células? Elas não desaparecem, afinal a natureza nos ensinou a lei básica de que nada no universo aparece ou desaparece. De fato, as células mortas são eliminadas do nosso corpo, ou por vias de excreção ou, no caso da pele e dos cabelos, por forças mecânicas. Essas células serão então alimento de outros seres vivos, que farão uso da energia acumulada nas estruturas químicas ainda existentes ali para crescerem, se multiplicarem e darem sequência à cadeia da vida. Da mesma forma, nós humanos consumimos a matéria orgânica de outros seres para renovar nosso estoque de células, fazendo então com que estes seres transformem-se em parte constituinte do nosso corpo. O mesmo acontece com a água que bebemos, e com a energia que utilizamos para pensar, sentir, nos movimentar e articular nossos pensamentos. Seja a matéria que compõe nosso organismo ou a energia que faz o organismo funcionar, elas se originam da vida que existe espalhada no planeta. Portanto, não somos apenas poeira das estrelas, como somos as estrelas, e os oceanos, e os rios, e as florestas, e os animais, e todos os bilhões de seres humanos desse planeta. Podemos nos reconhecer como um ente separado dos demais, mas isso se dá no nosso nível de visão. Se analisarmos num microscópio potente o suficiente, não seremos capaz de identificar a separação entre meus dedos e as teclas do teclado, por exemplo; assim como se olharmos a partir de uma sonda espacial, não enxergaremos a separação entre os países, e veremos apenas "um pálido ponto azul" no meio da escuridão, como expressou Carl Sagan ao ver uma fotografia da Terra tirada pela sonda espacial Voyager 1 em 1990 após sair do sistema solar, a 6 bilhões de quilômetros de distância daqui. Nessa distância, não há distinção entre nada: somos todos um pequeno e opaco ponto perdido no meio da imensidão. Que sentido faz discutir filosofia ou política?

(Pale Blue Dot, 1990. Copyrights da NASA.)

Analisando por essa perspectiva, nós nunca nascemos e nunca morreremos. Como Krishna diz a Arjuna, no Bhagavad Gita [1]: "Nunca houve momento em que eu não existi, ou você, ou todos esses reis; assim como, no futuro, nenhum de nós cessará de existir." Olhando esse aspecto, o renascimento é algo real, tangível e plenamente lógico.

Porém há quem diga que não somos apenas corpo: "je pense, donc je suis" enunciou Descartes. Nossa qualidade intelectual nos induz a acreditar que nossa existência não está limitada ao aspecto físico, e que nossa persona é constituída por mais do que um apanhado de células e pulsos elétricos. Nosso eu é, então, uma entidade particular, distinta e única, cujo conjunto de memórias, experiências e concepções constrói as regras de interação com as outras entidades particulares ao nosso redor. Essa experiência pessoal de existência leva muitos a concluírem a existência de um ente pessoal, coexistindo com e "conscientizando" o corpo, uma alma. E, como todos os conceitos filosóficos, existem várias visões diferentes sobre o que seria a alma e como se daria essa interação alma-corpo. Na visão de Platão e Sócrates, a alma seria a essência do ser, aquilo que decide como ele deve agir; e seria incorpórea e renasceria em outros corpos após a morte do corpo recipiente. É mais ou menos a linha que segue Aristóteles - que não crê em renascimentos, mas sim na imortalidade da alma - e, na sequência de Aristóteles, Agostinho e os grandes pensadores cristãos. Quando se fala em alma, a propriedade que prevalece é que ela sobrevive à morte e passa a uma outra existência - seja aqui, no plano físico; ou num outro plano "espiritual". A mim, pessoalmente, não apetecem nenhuma das duas ideias: tanto o transladar das almas de um corpo a outro, quanto a ida a um céu ou um inferno me soam muito simplistas e individualistas, duas coisas que não condizem com o modus operandus da Natureza. Contudo, eu consigo entender os argumentos de quem enxerga a realidade desse modo. 

Na minha percepção, a continuidade (o renascimento) do intelecto (da alma?) se dá de forma muito mais abrangente e elegante. O intelecto renasce através das ações. Nossas ações são o veículo pelo qual interagimos e impactamos o mundo. Na medida em que minhas ações contribuem para transformar o modo como outras pessoas agem, eu estou renascendo através das ações dessas pessoas; da mesma forma, as ações que eu sofro interferem no modo como eu ajo e, portanto, um novo "eu" - produto das ações sofridas - nasce a cada instante. A ciência é um exemplo clássico desse processo, como bem colocou Sir Isaac Newton: "se vi mais adiante, foi por estar sobre os ombros de gigantes". Um determinado campo do conhecimento é como uma grande vida, que vai sendo construída através das ações consecutivas de gerações e gerações de pesquisadores. E assim é também o comportamento coletivo: vamos sendo moldados pelas ações que consumimos, da mesma forma que nossos corpos vão sendo construídos pelo consumo de matéria. O renascimento é algo que acontece então tanto a nível material quanto a nível intelectual. E nesse ciclo segue a dança da Vida: iniciada num começo sem começo, e sem perspectiva de terminar.

(A rede de Indra fornece uma explicação interessante para o modo de enxergar a relação entre cada ser e o resto do universo. "Imagine uma teia de aranha multidimensional, coberta de pequenas gotículas de orvalho. E cada gota contém um reflexo de todas as outras gotas. E, em cada gota refletida, vê-se o reflexo das outras gotas, e assim por diante, ad infinitum." [2])

Nós, que somos literalmente todo o universo, temos toda a responsabilidade do mundo em nossas mãos. E toda a liberdade de fazer o que quisermos com ela. Só resta escolher qual ritmo queremos fazer nossos futuros eus dançarem. 

--
[1] Bhagavad Gita, 2:12
[2] Watts, Alan. "Alan Watts Podcast – Following the Middle Way #3". Disponível em: alanwattspodcast.com

3 de nov. de 2013

White Tyger

O mighty Tyger,
Guardian of the West Sky,
Let me be thy humble rider
For a brief score of time;
Grant me that I may follow Thee
Throughout thy scouting rounds,
Over countless galaxies,
Where Life and Love abound.

O, great Tyger:
Quickly! Seize me into thy Whiteness:
Though I be but a poet minor,
I vow to clash for thy Quest.
And, together, we shall fix this mess:
Subjugate demons and vipers;
Angels and Gods (the great dividers).

Thus could we set the world free,
Where Men would be their own;

Where Love, like a vast sea,
Would flood every single home,
With no border of faith or creed:
A World where only Peace is enthroned.

O, mighty Guardian!
Let me dream, let me dream!
Let me hunt, like thy kin Orion,
All my utopias and schemes;

Help me, Tyger: carry me on!
I need your brave scream, your mighty roar,
To frighten and empower my trembling soul.

O Tyger, mighty Tyger.
How many ages have Thee witnessed so far?
How many pitiful poets and wandering fighters;
Beggars and kings; sinners and saints, virtuous and liars:
All but insignificant little nothings, wailing at thee in awe.


Thy Stars are gazed upon since time afar,
And yet, Thou too art nowhere to be found.


--

(Orion Nebula. Photo by Hubble telescope. All credits belong to NASA and ESA. The Orion belt (middle left) together with Betelgeuse, Bellatrix, Saiph and Rigel stars, make up the so called "3rd Palace" of Chinese astronomy, within the huge White Tiger group of constellations. For more information on the photo: http://www.astronet.ru/db/xware/msg/apod/2006-01-20)


25 de out. de 2013

Abre tuas asas,
E voa longe, longe;
O mais alto que puder:
O mundo inteiro brilha apenas para ti
E se abre a teus pés.
Basta ter a coragem de pular.



Dusk

Sheep cloudlets,
Floating fierily through the empty sky:
May they carry on my love,
And reach you 
By sunrise


25 de ago. de 2013

Restlessly

Restlessly
Looking for you
In the silence of a starless night
To the bitter cry of the cicadas
And the shine of the moonlight
I look for you
Where no one else does
And where everyone finds
Restlessly
Anxiously
Silently


15 de jun. de 2013

El hombre invisible

"Yo me río,
me sonrío,
de los viejos poetas,
yo adoro toda
la poesía escrita,
todo el rocío,
luna, diamante, gota
de plata sumergida
que fue mi antiguo hermano
agregando a la rosa,
pero
me sonrío,
siempre dicen "yo",
a cada paso
les sucede algo,
es siempre "yo",
por las calles
solo ellos andan
o la dulce que aman,
nadie más:
no pasan pescadores,
ni libreros;
no pasan albañiles,
nadie se cae
de un andamio,
nadie sufre,
nadie ama,
solo mi pobre hermano,
el poeta,
a él le pasan
todas las cosas
y a su dulce querida,
nadie vive
sino él solo,
nadie llora de hambre
o de ira,
nadie sufre en sus versos
porque no puede
pagar el alquiler,
a nadie en poesía
echan a la calle
con camas y con sillas
y en las fábricas
tampoco pasa nada,
no pasa nada,
se hacen paraguas, copas,
armas, locomotoras,
se extraen minerales
rascando el infierno,
hay huelga,
vienen soldados,
disparan,
disparan contra el pueblo,
es decir,
contra la poesía,
y mi hermano
el poeta
estaba enamorado,
o sufría
porque sus sentimientos
son marinos,
ama los puertos
remotos, por sus nombres,
y escribe sobre océanos
que no conoce,
junto a la vida, repleta
como el maíz de granos,
él pasa sin saber
desgranarla,
él sube y baja
sin tocar la tierra,
o a veces
se siente profundísimo
y tenebroso,
él es tan grande
que no cabe en sí mismo,
se enreda y desenreda,
se declara maldito,
lleva con gran dificultad la cruz
de las tinieblas,
piensa que es diferente
a todo el mundo,
todos los días come pan
pero no ha visto nunca
un panadero
ni ha entrado a un sindicato
de panificadores,
y así mi pobre hermano
se hace oscuro,
se tuerce y se retuerce
y se halla
interessante.
interessante,
esta es la palabra,
yo no soy superior
a mi hermano
pero sonrío,
porque voy por las calles
y sólo yo no existo,
la vida corre
como todos los ríos,
yo soy el único
invisible,
no hay misteriosas sombras,
no hay tinieblas,
todo el mundo me habla,
me quieren contar cosas,
me hablan de sus parientes,
de sus miserias
y de sus alegrías,
todos pasan y todos
me dicen algo,
y cuántas cosas hacen!
cortan maderas,
suben hilos eléctricos,
amasan hasta tarde en la noche
el pan de cada día,
con una lanza de hierro
perforan las entrañas
de la tierra
y convierten el hierro
en cerraduras,
suben al cielo y llevan
cartas, sollozos, besos,
en cada puerta
hay alguien,
nace alguno,
o me espera la que amo,
y yo paso y las cosas
me piden que las cante,
yo no tengo tiempo,
debo pensar en todo,
debo volver a casa,
pasar al Partido,
qué puedo hacer,
todo me pide
que hable,
todo me pide
que cante y cante siempre,
todo está lleno
de sueños y sonidos,
la vida es una caja
llena de cantos, se abre
y vuela y viene
una bandada
de pájaros
que quieren contarme algo
descansando en mis hombros,
la vida es una lucha
como un río que avanza
y los hombres
quieren decirme,
decirte,
por qué luchan,
si mueren,
por qué mueren,
y yo paso y no tengo
tiempo para tantas vidas,
yo quiero
que todos vivan
en mi vida
y canten en mi canto,
yo no tengo importancia,
no tengo tiempo
para mis asuntos,
ne noche y de día
debo anotar lo que pasa,
y no olvidar a nadie.
Es verdad que de pronto
me fatigo
y miro las estrellas,
me tiendo en el pasto, pasa
un insecto color de violín,
pongo el brazo
sobre un pequeño seno
o bajo la cintura
de la dulce que amo,
y miro el terciopelo
duro
de la noche que tiembla
con sus constelaciones congeladas,
entonces
siento subir a mi alma
la ola de los misterios,
la infancia,
el llanto en los rincones,
la adolescencia triste,
y me da sueño,
y duermo
como un manzano,
me quedo dormido
de inmediato
con las estrellas o sin las estrellas,
con mi amor o sin ella,
y cuando me levanto
se fue la noche,
la calle ha despertado antes que yo,
a su trabajo
van las muchachas pobres,
los pescadores vuelven
del océano,
los mineros
van con zapatos nuevos
entrando en la mina,
todo vive,
todos pasan,
andan apresurados,
y yo tengo apenas tiempo
para vestirme,
yo tengo que correr:
ninguno puede
pasar sin que yo sepa
adónde va, qué cosa
le ha sucedido.
No puedo
sin la vida vivir,
sin el hombre ser hombre
y corro y veo y oigo
y canto,
las estrellas no tienen
nada que ven conmigo
la soledad no tiene
flor ni fruto.
Dadme para mi vida
todas las vidas,
dadme todo el dolor
de todo el mundo
yo voy a transformarlo
en esperanza.
Dadme
todas las alegrías,
aun las más secretas,
porque si así no fuera,
cómo van a saberse?
Yo tengo que contarlas,
dadme
las luchas
de cada día
porque ellas son mi canto,
y así andaremos juntos,
codo a codo,
todos los hombres,
mi canto los reúne:
el canto del hombre invisible
que canta con todos los hombres."
(Pablo Neruda, Ms. Sant'Angelo, Ischia, 24.6.1952)