16 de mai. de 2010

Sobre o "Sofrimento"

Há mais ou menos 2500 anos nasceu, em Lumbini (no atual Nepal), um homem que viria revolucionar o modo de encarar a vida. Filho de um poderoso rei do clã dos Shakyas, o príncipe Sidarta (do páli: "aquele que atinge os objetivos") cresceu na cidade-palácio de Kapilavastu (também no atual Nepal), recebendo sempre os melhores tratamentos, rodeado pelas melhores jóias, as melhores mulheres e a melhor educação que um príncipe poderia ter à época.

Diz a lenda que havia na região um sábio andarilho chamado Asita, que - na ocasião do nascimento do príncipe - previra que este se tornaria um grande rei e dominaria toda Kosala (região onde estava inserido o reino dos Shakyas), ou então se tornaria um grande sábio e seus ensinamentos extender-se-iam por todo o mundo e por todo o tempo. O velho Asita aconselhou ao rei Suddhodana - pai de Sidarta - que, se era da vontade dele que o filho se tornasse um grande imperador e não um sábio religioso, então ele deveria fazer tudo o que estivesse a seu alcance para impedir que o príncipe tivesse contato com qualquer tipo de sofrimento. Por conta disso, reza a lenda, Sidarta cresceu num lugar maravilhoso. Não haviam pessoas doentes, ele não via mortes - nem de animais! Só existiam pessoas novas, belas, e só havia alegria pairando no ar. Sidarta teve mulheres, casou-se com uma prima da nobreza, Yashodara, e teve um filho, Rahula.

Mas, os esforços do rei foram em vão. Nas suas saídas do palácio, Sidarta teve quatro visões que mudariam sua vida: ele viu uma pessoa idosa, uma doente, uma morta e - por último - um monge asceta. Seu fiel amigo e guia de carruagens Channa, quando indagado "o que eram" aquelas pessoas, lhe contou que todos - sem exceção - envelhecem, ficam doentes, e morrem. Sidarta ficou perturbado com isso em, aos 29 anos, decidiu que partiria numa jornada rumo a entender esse mundo - como aquele último personagem que encontrou nas suas caminhadas. Eventualmente, após procurar por vários mestres e praticar o ascetismo ao ponto de ficar tão magro que a pele do abdomem se encontrava com a das costas, Sidarta percebeu que o caminho não era por aí: não adiantaria em nada mutilar seu corpo, pois sem o corpo, como ele seria capaz de compreender a mente? Sidarta é tido como fundador da filosofia do "Caminho do Meio" - um caminho de moderação entre extremos.

Por fim, após 6 anos de práticas intensivas, Sidarta sentou-se sob uma árvore Bodhi e meditou por 49 dias até atingir o chamado estado "Iluminado", pelo que ficou conhecido como "Buda" (do páli: "o iluminado"). O que significa ser iluminado? Bem, isso é assunto pra outros tópicos...

Todo ensinamento do Buda baseia-se no que é chamado de "As Quatro Nobres Verdades":

  1. A Existência do Sofrimento;
  2. A Origem do Sofrimento;
  3. A Cessação do Sofrimento;
  4. O Caminho para a Cessação do Sofrimento.

Bom, dá pra notar que todo ensinamento budista constrói-se em torno do sofrimento né? Parece algo pessimista não é mesmo?

Para o leitor desavisado fica a dica: assim como Jesus, Mahatma Gandhi, George Bush, o Chaves e o Lula, o Buda não falava Português. Sua língua nativa era o Páli - um tipo de língua indo-ariana, como o sânscrito. Em páli, essa palavra que é normalmente substituída por "Sofrimento" é "Dukkha", ou "Duhkha" em sânscrito. Os antigos Arianos, que levaram o Sânscrito e as línguas afins para a Índia, eram um povo nômade que viajava em carroças ou veículos similares puxados por bois ou cavalos. "Dus" é um prefixo que significa "ruim", e "kha" - que significa "céu", "éter" ou "espaço" -, originalmente significava "buraco", mais especificamente um orifício ligado à colocação do eixo de um desses veículos Arianos. Assim, dukkha significava algo como "com o eixo desalinhado", que era algo que levava - obviamente - ao desconforto dos passageiros.

Quando o Buda discorre sobre o sofrimento, sua causa e como encerrá-lo, ele não está falando das dores, do sofrimento físico em si - e sim sobre essa sensação de desequilíbrio. Ele ensina que existe sim um desequilíbrio, que é a raiz do desconforto que muitas vezes sentimos em nossas vidas. E esse desequilíbrio, é - de acordo com a Segunda Nobre Verdade - produto da ignorância (não, não é aquela ignorância que te faz mandar o motorista do Fusca 76 na sua frente ir a lugares turísticos de gosto duvidoso. Essa tem outro nome.), da ignorância das coisas como elas são verdadeiramente. Essa ignorância leva às chamadas Três Raízes Insalutares: avidez, ódio e delusão que, em última análise, conduzem ao desequilíbrio que acarreta no sofrimento.

O caminho que - segundo o Buda - leva à cessação desse desequilíbrio (o Nobre Caminho Óctuplo) envolve um trabalho de desenvolvimento e aperfeiçoamento de três características: sabedoria (prajna), conduta ética/moral (sila), e capacidade de concentração (samadhi); e prescreve oito passos:

  1. Visão correta;
  2. Intenção correta;
  3. Fala correta;
  4. Ação correta;
  5. Modo de vida correto;
  6. Esforço correto;
  7. Atenção plena correta;
  8. Concentração correta.

O modo de ensinar do Buda segue um pouco o modo como os médicos da época tratavam uma doença: faziam o diagnóstico identificando a causa da doença e prescreviam um tratamento para ela. É mais ou menos isso que o Buda faz com o desequilíbrio-sofrimento - analisa a causa e prescreve como combatê-la.

O Buda, o príncipe Sidarta, foi um homem como qualquer um de nós. Ser humano, filho de seres humanos. Não era um Deus, não era alguém de outro mundo. Teve mulheres, teve um filho; tinha medos, angustias, desejos, como qualquer ser humano. Não nasceu de uma virgem, e não foi arrebatado aos céus. Morreu calmamente com 81 anos, após ter milhares de discípulos e deixar um legado histórico incrível que sobrevive até os dias de hoje.

Hoje é celebrado, em vários locais do mundo, o Vesak - uma data criada para comemorar o nascimento, a iluminação e a morte desse grande sábio e pensador asiático. A celebração do Vesak segue um calendário lunar (como era padrão na Ásia até sua ocidentalização e conversão ao calendário gregoriano), e é mais comumente feita entre as comunidades budistas Theravada e algumas escolas Chinesas. No Japão, a celebração do nascimento do Buda é feita durante o Hanamatsuri, no oitavo dia do mês de abril; e sua iluminação é celebrada no princípio de dezembro, quando - particularmente nas escolas Zen budistas - faz-se um retiro (rohatsu sesshin) de meditação em homenagem aos esforços do Buda.

Que possamos adquirir e manter esse espírito de esforço e dedicação do Buda, para o benefício de todos os seres.

Gasshô! :)

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